Aqui diz-se quando ninguém deixa. Aqui manda-se vir sem os gajos ricos deixarem. Aqui fala-se... E fala-se... Por ser isso que nos mantém vivos
Balelas (ou não) da Rua
Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra
domingo, 31 de março de 2013
Boémia (Fala de Gente Cansada)
Olha-me nos olhos e dá-me uma razão, só uma, daquelas que num segundo de compreensão nos deixa escrever estrelas e compor oceanos por aí fora, sem meias desculpas nem tratos vulgares, que desses temos multidões por aí. Na minha cabeça vejo-te a ter maus sonhos, pesadelos escuros que te levam a lençóis vazios de camas desfeitas.
Não estamos no mar, muito menos no campo, no véu da cidade escondemos os nossos rostos, numa rua movimentada onde a gente que passa não nos interessa, nem sequer nos vê - que vêm eles - nada é mau como parece, dá-me um pequeno trago de alma que possa levedar nos meus lábios e derreter-me o estômago que me corroa por dentro e me faça parir mundos de ir além pelas palavras malcriadas que me saiam da boca.
Aproximas-te.
Um gato passa na rua, não dos pretos com olhos crepitantes, estamos de dia, dos malhados, castanhos, com um ar sôfrego mas igualmente altivo, ainda com aquele toque selvagem de quem se recusa a ser maltrato pela palavra doméstico, não há animais domésticos, só gente domesticada.
Estás demasiado perto.
Um piano toca de uma varanda não alta, trazendo pequenos ventos de civilização para uma rua suja de corpos ocos que não ascendem à humanidade porque a nada pertencem, só somos alguém se a alguém pertencermos, de forma insipidamente inútil e despretensiosa.
Noutros tempos...
Agora, as tuas mãos aproximam-se do meu rosto, deslizam vagas, calmas, oscilantes ao tom do piano, compondo as pausas ao mesmo semblante, deslizando o allegro pelos meus lábios e fazendo claves de sol nos meus olhos, predendo-os a uma obscuridade muito mais clara que a da rua, vejo-te noutros tempos, noutras roupas, em nenhumas, no tempo em que se deslizavam almas por este tempo, no tempo da Boémia.
Sinto as tuas duas mãos na minha cara, sem preceitos mais que inocentes, compondo a música triste que nos pauta, que nos vinga e nos seduz.
Acelera o piano, está no auge, é o grito, o termo apoteótico, onde o ritmo acelera a voz falha, o coro ressalva, o corpo descai, a alma sobe, a voz grita e o homem morre. Porque essas mão não são as tuas, sou eu que não me sinto jamais.
Subscrever:
Mensagens (Atom)