Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

domingo, 22 de junho de 2014

Ainda sonho em Vinyl

Olha o dia começa calmo, com um sol tímido a aparecer por dentro das nuvens cinzentamente opacas, um pequeno raio atravessa a ilusão de noite e se faz ouvir, como se a luz fosse som e os nossos olhos ouvidos abertos à imensidão existente de tudo, vendo como quem ouve a imensidão vasta das cores que nos circundam, e nada disto passa de pouco. Pelos contrários do nada surgem as primeiras vagas de gente, sacos de compras tinturentos, jornais sujos de notícias que a tinta essa secou pelos dedos de quem as fez, os comboios que rangem pela ternurenta ferrugem dos tempos que o fazem circular, e as crianças brincam algures, não aqui, aqui faz-se o amanhã, tonteria, por se fazer aqui é que cada vez mais se destituí o amanhã do seu aspeto de futuro, o nosso amanhã não passa de eco, não é novo, não tem luz, não faz frio, não aquece, é apenas a perpetuação simbólica do que não se fez hoje e se julga que se fará amanhã numa igual tentativa séria de nada fazer que perturbe a calma de quem pouco ou nada faz.
Por dentro de cada um há essa tentativa de ver, corrijo, criar, na facilidade ingénua, uma arte nova, que não seja uma imitação, toda a arte se imita e não se cria, já é demasiado difícil construir, porque tudo o que se construiu ou caiu sem glória ou se perpetua sem memória, de qualquer dos casos fica aquém do intuito de quem lhes pôs vontade. Fisicamente somos feitos para durar, por dentro somos feitos para juntar, quebrar, juntar, em ciclos de desconstrução que não se cansem desta sem finitude, não precisamos de mais, é fácil.
Como a água que se apressa pelas rochas das encostas cinzentas e limpas, translúcidas de mar, há quem se apresse pelos dias não concebendo nas horas o desejo carnal de ter na mão tudo o que na mão se pode ter.
Se ainda conseguisse criar, deixaria no passado tanto mais do que se alcança no presente, não precisamos de mais, nem melhor, só precisamos daquilo que nos enche de momentos, não de eternidades, como um disco que só se ouvisse uma vez, numa tarde de chuva, numa única companhia, um uso numa memória.
Ainda sonho que a vida
seja isto, um conjunto de momentos e não uma soma de eternidades.