Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Acabo

Que faria sem um caminho de onde fugir, daquele trato que nos chama e depois nos deixa ir, que irá correr nessa mente que ninguém sabe, Eu estou bem, há mar suficiente para respirar, há loucuras que cheguem para sobreviver, há um trato amargo que nos chama a provar, uma chama latente, reluzente, pequena, quente, eterna, flamejando no ar em espirais sucessivas, deixando-se levar com o vento e não para o vento, resistindo num canto escuro à escuridão, num canto ventoso ao vento, e na memória, resistindo ao tempo. Pequena, uma cascata de fogo para o céu, sem o levedar do tempo, sem o ocultar da memória, onde aquecemos as mãos nas noites mais sós, onde respiramos nos momentos mais sôfregos de ar, há nele um espírito antigo, talvez a razão de lá estar, um resquício de uma vida anterior ou a premonição de uma futura. Dar-te-ia tudo, essa chama sabe demais para não receber, há nela o segredo antigo dos navegadores, a sede eterna  das almas que querem descobrir sem saber o quê, os viajantes de terras sem nome, os agricultores das terras do mundo, os saudosistas do nada, sabes quem são.
Há caminhos onde a luz não chega, e perdemo-nos, deixamo-nos ir por caminhos paralelos que não chegam ao mesmo sítio, não passam pelas mesmas árvores nos mesmos arvoredos, rodopiam em si pela construção metafísica do tempo convexo, uma entrada per si dentro, flagrante, entorpecida pela dúvida, humedecida pelo medo, entalada pela solidão, mas seguimos, pelas curvas e pelos picos, sabendo do fim.
A pequena chama mantém-se, calma, olho para ela, sem ver, Acabo em ti. Tudo em mim tem uma tendência para o fim, eu mesmo me acabo quando me perco sem ninguém.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

La Foule

Adoro o som do piano reflectido numas pequenas notas de whiskey, embaladas pelo ritmo escondido das nossas pernas basculantes por baixo das mesas de madeira onde nos sentamos sempre, elas balbucinam sem nós queremos, dançando a nota mais alta, atropelando os pequenos silêncios e exarcebando as melodias com pequenos toques no chão oco. Não é pecado o barulho, não se intromete na música tal como o álcool não se intromete na minha visão do teu rosto. O bar é o de sempre, já nos conhecem, É o costume, e servem-nos com um sorriso de velhos amigos, nem sabemos o nome deles mas sorrimos com a mesma magnitude, Obrigado, e o sorriso mantém-se enquanto nos cruzamos em múltiplos planaltos da vista.
A cantora chega, aquecida de voz, cabelos negros esfuziados de jazz pelas alturas, conturbados como a alma de quem a escuta, Boa Noite, suave, melancólico mas com uma vida tal que encanta as estrelas, elas mesmo dançam esta noite. Começa, pequenos sons, nada de palavras, não precisamos delas para expressar o mais puro, começáms a vida sem elas e muito possivelmente acabaremos igualmente mudos, com sons da alma, expirações sonoras da morte do corpo.
O piano toca, acompanha-a, à alma naquelas teclas, um ritmo crescente, uma alegria maior, um som juvenil, feliz, de quem ignrava a chuva da rua e o frio dos corpos, La foule. Os corpos dançam, as bebidas repetem-se, as pernas falham e tu falhas em mim, caímos.
Nada mais irrisório que cair para perceber o jazz, quando estamos no topo, há algo que nos impele ao chão, nos chama, nos agarra. A forma não está na queda, mas no toque que damos quando chegamos ao chão, podemos chegar a chorar e lá ficar, ou tocá-lo a rir pronto a criar altitude.
Voltamos à dança, a cantora pára para se rir também, o piano não, sustém a postura da música na ausência da voz. Ficámos assim os três, rindo, uma foulie infantil e sem sentido, completa.
Mais um corpo e a noite cresce até chegar a manhã, até o gelo derreter e os corpos se ressentirem do fumo e acabarem na madrugada.
Encontramo-nos no fim.


Fatos escuros escondem gente oculta, mascarada, que caminham sem saber por onde caminhar, desafiando a racionalidade com o esquecimento. Não estou pronto para este jogo, não estou pronto para subir, nem para ver um tempo mais alto que este.
A neve para-me e não estou preparado para sorrir, nem para falar do meu coração, não estou pronto para ficar, não estou pronto para partir.

A noite vem de novo, como sempre, atiçando as memórias enquanto se afundam lentamente nas areias movediças do presente inoculando as margens nubladas dos olhos que já te custam a ver, longe, não fica luz suficiente para te ver, já não sei se brilhas nas noites que tremem. As memórias afundam-se e eu não estou pronto para sorrir.

Os teus passos ficam para trás, a tua lua fica mais longe, os meus sentidos perdem-se, não sabem onde parar, não sabem onde ficar, há um desejo macabro de morder, uma noite só para matar, e uma eternidade imensa para te sentir.

Mas,

Não estou pronto para desistir,
Não estou pronto para ficar,
Não estou pronto para partir.
Não estou pronto para atiçar os cães à tua alma.