Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

sábado, 12 de outubro de 2013

Não Há


Não há respostas certas nem momentos planeados, planear é falhar à partida no que se quer acertar no fim, ter no papel ou na mente o que se quer é perder tempo sem se fazer o que se deseja. Acabar feliz?, quem quer de todo acabar por si só, ir, ao poucos, perdendo a desumanidade que nos resta pelos cantos ocultos dos sonhos não realizados e, com o tempo, somar verdade a nós, não anos, não momentos, por si só verdades, pequenos traços de rostos que nos ficam e outros tantos que se apagam, sem qualquer resquício mesquinho ou trama maior na alma, apenas a verdade, per si, apenas marcas e não grandes sonhos ou elevações supersticiosas. Podemos todos acabar bem, só espero não acabar de todo. Ter sempre no novo dia a esperança de ser, não feliz, não triste, não sentimental e muito menos saudosista, negar todo e qualquer sentimento num cuspo matinal e ignorar pelos dias os momentos, ser pelas ruas o que for, sem nada mais, cegar ao termo do dia sem medo de me findar pois continua na noite as alvoradas que não vieram na manhã.
Não há percursos certos, conheço apenas os errados e desses muitas são as vezes que lá esgueiramos os cheiros e semeamos tempo, neles ganhamos a loucura eventual, quiçá condutora do percurso a casa, quiçá a perdição natural que nos afasta nos animais e nos aproxima dos bichos selvagens que dizemos não ser.
Da civilização a palavra, a ela o ser.
Não haverão respostas certas, nem sei se respostas, apenas dias, só momentos e desses saboreio-os todos como uma criança saboreia um chocolate, calma, percamos no tempo o que ganhámos na alma.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sorrir Sem Sentido

O sorriso é sem sentido e não por isso menos útil, não é por si menos genuíno. Se sobrasse em instâncias metafísicas o que de genuíno se pauta num sorriso sem sentido, subjaria na imensidão do conhecimento o bom-senso básico da idiotice, da ausência absurda de razão nas pequenas maravilhas mundanas. Não existe força física ou teoria biológica que alicerce a magnificência do movimento muscular involuntário  seguido de um brilho estrelar nos olhos, não são estrelas, sei, mas luzem de tal forma que é como se de estrelas se tratasse.
Não são bichos que nos invadem o cérebro e muitos menos a inteligência fugaz do momento, simplesmente nutre-se um desejo de sorrir, sem sentido, sem razão, sem causa, porque dos sorrisos mais puros nascem pequenos rastos de felicidade.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Civilização

A cidade tem pântanos que não se vêem, em algumas esquinas onde pautam cafés residem fumacentas pessoas, Não obrigado, passe bem, e pela distância tecemos obsessivamente a necessidade de estar só, desligar o carro e correr descalço, viver do ar que temos e faltar à vida, transcendendo tudo e todos, a senhora do café e o rapaz da portagem, não preciso deles. O rapaz amarelo e desgrenhado estende a mão e convida a sair, a ir para longe, rápido e doente, nas nossas maneiras desligamos o motor do carro, os criados tornam-se indisciplinados.
Viver na cidade é ter-se pautado na miséria da mente os versículos viscosos e ardilentos que deus ou alguém aqui perdeu, esboçou neste pântano as maiores idiossincrasias, não viveriam em outro lugar, vendo este espectáculo há que agradecer quando estamos sós e na distância dos outros, faltando à vida dos outros, é cumprida na nossa o desejo de ser sede.

Cacos

Parti o vidro, sim, quem esperava que alguém que se pauta pela calma da vida e a pureza das cosias fosse capaz de, num gesto rápido e nada trémulo, segurar o punho com a exactidão cirúrgica dos que padecem de experiência em actos violentos, e usurpar das leis da física atentando contra  vidro neste único e simples movimento. Um arco exacto, exímio, descrevendo no fim um vector alinhado com o mundo, indo de encontro ao centro do espelho onde me via. Não me via, não podia ser eu aquele vegetal morto sem cor, uma mera sombra do que um dia tinha sido o sorrir, não sei o que se reflectia ali, só espero não ser eu.
Chegando ao êxtase do momento senti o quebrar, aquele barulho trémulo e balbuciante que se propaga num infinito contemplante, com a queda dos cacos de forma rápida e desgovernada vi nasce o sangue no meu punho, distante dos olhos e de todo o meu corpo. Não tinha corpo naquele momento, via-me na distância, ou não me via de todo.
Não sei que se passou, se tive neste instante toda a vida que tinha concentrada num gesto ou se nesse mesmo gesto perdi toda a vida que tinha até ali, continuava a sangrar, se a minha existência nesta noite se deixa definir pela loucura que me assombra e me faz vislumbrar os cacos no chão como um total esforço, um completo trabalho, ou apenas pelo sangue que misturado com as lágrimas beijando o chão aos salpicos, translúcidas nos pequenos espelhos que criei.
O resultado de partir a imagem é que agora, os meus dois olhos vermelhos se deslumbraram com mil cópias suas em todos os pequenos cantos sujos deste espaço. Não quero olhar, não me posso ver, hoje a noite é minha e a escuridão a voz com que falo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Ponte

Estamos em lados opostos do mesmo adeus, em distâncias longínquas de um mesmo caminho, cruzado, surdo, em silêncio. Na ponte nada se passa senão o mar, senão o tempo e toda a margem que nos chama para perto. A minha e a tua. Cada passo pesa no corpo, movemos ilhas de gente cada vez que, com uma respiração mais profunda, nos distanciamos um do outro, mais perto da nossa margem...
Preciso que desenhes em gestos o que pintas em imagens.
Preciso que grites com actos o que fazes com as palavras.
Devíamos ter apertado as mãos sempre que víamos o mar, esperando que com o sol se pusesse de vez a distância e este caminho de voltar não fosse de passos mas de silêncios, aqueles nossos, onde os olhos se tocam no horizonte próximo e nos regamos com sorrisos.
Mais perto da margem, mais longe de nós.