Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

100maneiras

A verdade mora longe, onde não faz frio, a verdade faz cambalear, tem grades de ferro e chão de mármore branco, a verdade tem paredes altas e tectos redondos, não tem saída e não se conhece entrada, verdade é casa mais alta, é monte virgem, sabe a terra pura e a pão quente, a verdade sabe a tudo e ninguém lhe conhece sabor.
A verdade queima mais, faz ferida no corpo, rasga a pele e arranca pedaços de alma, faz círculos na cabeça e pontapeia estômagos. A verdade é vontade de agarrar, é força para destruir, é corpo de felicidade e mata quem não dorme.
A verdade não dói mas magoa, não brilha mas queima, a verdade faz, a verdade desfaz, a verdade reza terços nas madrugadas e queima ondas ao luar, ela não sabe, ela não sonha, ela faz, ela tira, ela põe e dispõe dos que têm disposição.
A verdade é o caminho mais fino, mais longo, uma múmia calma e um pássaro sem bando, um guerreiro na frente, uma língua mordida, um beijo no pescoço, é cheia de lembrança e não se lembra de te ter.

Vá, anda, não queres ser quem viu e não quis ver,
Quem ardeu e não queimou,
Quem perdeu e não deixou.

A verdade de cada um não faz verdades de ninguém.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O Peso do Mundo

Senta-te comigo e não penses, não fales, não cales, há demasiados nãos quando se está só, há um mundo entre as duas pontas deste banco, duas vidas mais longe, dois caminhos mais tortos, querer ser mais, a grandeza não é gente, é ausência.
Preciso do teu silêncio e o nosso olhar ao mar, não sei o que aconteceu, se foste tu ou fui eu, mas este não é o nosso amanhã, esconde-se o céu onde somos verdade, perdemo-nos uma e outra vez ao tentarmo-nos encontrar, uma e outra vez ficamos sós.
Longe ou não, ainda me olhas com magia, ainda me calas sem palavras, ainda ficas sem me perderes, ainda me deixas até voltares.

Não sei se te perco enquanto ando, mas sei que não te encontro quando paro.

O mundo pesa demais, hoje pesa demais.

Sem Abrigo


A cada dia cresce um frio mais agreste vindo do norte, daqueles bafos de não existência que trazem os corpos para perto e afastam as almas para longe, circunscritos ao espaço infinito de nenhures, onde o sol é mais e o vazio é tudo. Navegamos na imagem que temos do outro, em pequenas oscilações de ternura, aumentando a distância da miragem, passa a noite mais escura, não vem um dia mais claro, esta distância faz a noite.

Tudo o que era eterno morreu hoje quando de manhã acendi o cigarro e tu não estavas cá, não senti o teu rasto, não sei do teu perfume, a varanda estava aberta para o rio e o sonho aberto para o silêncio, os pássaros dormiam sossegados nos beirais cinzentos destes prédios, o que senti ao sentir a tua mão, nada, senti o tempo voltar atrás e tudo era recordação, eternamente repetida, eternamente criada, a novidade a todo o segundo, onde foste não sei.

Volto para o abrigo daqueles que não o têm jamais,
Volto às manhãs em que só o café me toca a boca, onde só o fumo me afaga a alma.
Deixei na manhã imensa o substrato noturno das coisas, abandonando ao revés dos abraços, a mercê de todos os passos incertos, todos os abraços perdidos e os olhares não trocados, ronda-me a alma um pássaro que não voa, perdido não sei onde, só sei ceder-me ao mundo onde o meu ser se esconde, onde os pássaros não voam e onde não estamos, vazio, mão fechada, está noite, deixa-a ir.
Fiquei no fim de tudo a um passo de ter tudo sem fim, anseia saber de mim quem de mim sabe demais, uma nebulosa onda segue para lado nenhum onde não vou, está frio e não á nada.

Prometo falhar.