Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Junta as mãos, põe-as entre as minhas e escuta-me, ó meu amor.


Junta as mãos, põe-as entre as minhas e escuta-me, ó meu amor.

Eu quero, falando numa voz suave e embaladora, como a dum confessor que aconselha, dizer-te o quanto a ânsia de atingir fica aquém do que atingimos.

Quero rezar contigo, a minha voz com a tua atenção, a litania da desesperança.

Não há obra de artista que não pudesse ter sido mais perfeita. Lido verso por verso, o maior poema poucos versos teria que não pudessem ser melhores, poucos episódios que não pudessem ser mais intensos, e nunca o seu conjunto é tão perfeito que o não pudesse ser muitíssimo mais.

Ai do artista que repara para isto! que um dia pensa nisto! Nunca mais o seu trabalho é alegria, nem o seu sono sossego. E moço sem mocidade e envelhece descontente.

E para que exprimir? O pouco que se diz melhor fora ficar não dito.

Se eu me pudesse compenetrar realmente de quanto a renúncia é bela, que dolorosamente feliz para sempre que eu seria!

Porque Tu não amas o que eu digo com os ouvidos com que eu me ouço dizê-lo. Eu próprio se me ouço falar alto, os ouvidos com que me ouço falar alto não me escutam do mesmo modo que o ouvido íntimo com que me ouço pensar palavras. Se eu me erro, ouvindo-me, e tenho que perguntar tantas vezes, a mim próprio, o que quis dizer, os outros quanto me não entenderão!

De quão complexas ininteligências não é feita a compreensão dos outros de nós.

A delícia de se ver compreendido, não a pode ter quem se quer não compreendido, porque só aos complexos e incompreendidos isso acontece; e os outros, os simples, aqueles que os outros podem compreender — esses nunca têm o desejo de serem compreendidos.


Bernardo Soares

Sentir é Criar

Sentir é criar.

Inventar é (...)

A poesia é o estado rítmico do pensamento.

A arte de existir é ser completo.

Transbordar é manifestar-se.

A essência do uso é o abuso.

Não ser é um ser a mais.


Bernardo Soares

Levo para o imenso Abismo


Leve eu ao menos, para o imenso possível do abismo de tudo, a glória da minha desilusão como se fosse a de um grande sonho, o esplendor de não crer como um pendão de derrota — pendão contudo nas mãos débeis, mas pendão arrastado entre a lama e o sangue dos fracos... mas erguido ao alto, ao sumirmo-nos nas areias movediças, ninguém sabe se como protesto, se como desafio, se como gesto de desespero... Ninguém sabe, porque ninguém sabe nada, e as areias engolfam os que têm pendões como os que não têm...

E as areias cobrem tudo, a minha vida, a minha prosa, a minha eternidade.

Levo comigo a consciência da derrota como um pendão de vitória.


Bernardo Soares

Silêncio nas Palavras


O Problema das palavras é que elas só adquirem significância quando proferidas pela nossa própria voz.

Por isso o silêncio é o eco do que pensamos,
Por isso o escrito é subjectivo,
Por isso as frases são a alma da nossa essência
Por isso a palavra falada é a arma da ousadia

domingo, 13 de novembro de 2011

Eclipse


Se perdermos a lua na nossa noite, desenharemos uma nova que extravase as pinturas de Van Gogh,
Se os nossos olhos se fecharem por um segundo recordaremos sempre o momento em que estes espelharam o que sempre fomos,
Se o mundo parar um instante de girar, um suspiro de cansaço se atravessar na nossa frente, avançaremos hirtos de solidão,
Se nunca formos o que somos seremos sempre o que desejamos ser,
Se perdermos todos os se,

Vira-te, esta noite é nossa, este infinito é pouco, as nossas mãos são mais que o mundo, o errado está certo, a noite brilha, não sei o que fazemos, mas a noite é nossa,
O que começar, é nosso.

Agora, acorda, eclipse...