Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Um dia a um metro do chão

O sol jazia nos rostos húmidos dos que vieram à praça naquela tarde, suado o chão castanho, de pedra miúda  calcada pelo peso do povo, nas ruas daquele tempo, o pouco vento que soprava não levantava o pó que dormia sobre os gentis cabelos daquela gente suja. Os tempos eram outros ou somente os rostos que neles habitavam.
Subo ao palco. Calmo, hirto mas trémulo, como uma opereta italiana, com a confiança necessária para saber que quando a senhora gorda cantar, a cortina baixa e os meus olhos se restaram com o escarlate do povo, ausentes, suspensos na idade, até ao fim do suspiro, do último bafo quente.
Comigo seguem dois outros, altos e cheios, bem vestidos o suficiente para me puderem acompanhar, sim eu que estava descalço, pobre, com a roupa lavada de tempo e pó, sem um pouco de rosto menos moreno, o sol não me fez sombra em altura alguma, mas sim, é tempo de começar.
Soam os tambores, Te quero bem, mas tanto, tanto que te quero bem, é uma dor funda, que em sangue sabe que te quero bem, até ao fim, até ao fim te quero bem, Sabes, que te quero bem?. O senhor do lado deita a sua deixa, Silêncio, e em tom abundante o povo aplaude de pé, porque sentado não estava.
Eu salto.Respiro.
Rompo a gravidade fico a um metro do chão, suspenso pelas cordas do tempo, para sempre assim, com um pouco de sal nos olhos e uma vida nos lábios, Sabes que te quero bem, e nesse dia um rosto pequeno não sorriu no meio do povo pois esse rosto sabia que os pés nunca mais chegariam ao chão e como eles aqueles lábios vivos não tornariam à infantil face daquele orfão que ali se fez. Vivam aqueles que o tempo não cala.

domingo, 19 de maio de 2013

Não sentir o Ar

Perdemos o chão num segundo, quando colocamos os dois pés levemente assentes no chão, experimentando as suas particulares rugas e os seus leves contornos, esvoaçamos os braços para encontrar alguém que efectivamente já lá não está mais. Caímos ou ficamos inertemente suspensos num gap temporal que nos faz levitar, perdidos no sentimento instantâneo que nos faz rodopiar o tempo e perder o espaço a nossa volta. Tudo se contorce á nossa volta, giram imagem, tocam nos cheiros e a leveza da memória sai nos de repente e sem pedir. Num lapso cai a primeira lagrima e deis outra e com essas a leveza da magoa faz levitar as defesas e deixa ofender sob a chuva o caminho percorrido pela dor nas ruas da gravidade. Somos tão pouco no mundo que ninguém nos faz existência.
Quando vamos na rua não somos gente. Perdemos a inocência de esperar que tudo dure para sempre, que permaneçamos inertes, estáveis e duráveis nas curvas da rua e no caminho das estradas, por todos os por do sol possíveis e deslumbrando todos os ciclos intermináveis da natureza. Mas não, mas nunca, não sempre...
Quando vamos na rua não somos homens. Perdemos a forca de nos olharmos de frente com medo que os olhos tocam os que as palavras temem em enfrentar, com receio que a alma ceda num corpo já cedido à magoa das horas.
Quando vemos o tempo não somos inocentes. Quando vemos os olhos fechar, um rosto pálido e frio, eternamente encerrado na sua escuridão, perdendo o vislumbre do tempo nas rugas da eternidade, sem o suspiro dos ruídos da rua ou o traço humano do calor, do ar, do movimento simples, da empatia complexa, onde as mulheres bebem vinho e os homens fumam a mesa, resguardando os mais novos das dores do mundo, onde já foi isso que nao mó digam, estou longe demais no tempo para saber há quanto tempo fui gente dessa.
Quando encerramos uma pagina nao somos leitores.
Nao sinto o ar, nao porque ele nao o há, mas porque eu nao sou, nao por enquanto, nao no entanto.