Volto a ti em todas as noites frias em que leio, numa conturbada mescla de êxtase e receio, de profundo alheamento pelo medo de me tornar demasiado próximo, demasiado íntimo das tuas palavras, nunca sabemos a quem escrever ou o que escrever para nós, sempre uma certa indecisão plácida de nos lermos nas palavras, uma Ricardiana tentativa de separar de nós o que acreditamos ver de nós mesmos. Todo este processo de aproximação/afastamento provoca um atrito leve na alma, um desassossego delicadamente saboroso, como uma pequena fria lambida pelo oceano salgado das tuas letras, inicialmente um ardor profundo que nos acorda, depois um silêncio apaziguador de quem fere os olhos com a escuridão e se deixa ir sem medo até à luz, não sossegado e ignorante mas ansioso e desperto, todo isto é demais e tudo isto é tão bom. Sentir de ti o bafo vivo da inteligência sentimental, não me tinha lembrado deste conceito antes mas se não existir é teu, inteligência sentimental, ter a precisão cirúrgica de dissecar os sentimentos em cada frase, muitas vezes curta, mas extensível para dentro até ao infinitivo das almas, até ao termo dos corpos.
Por muito longe que estejamos, por muitas ausências que partilhamos, umas tuas, outras minhas, infelizmente sempre nossas, sabemos, acredito que sim, voltar ao início, voltar à nossa praia nos meus rochedos que partilhamos e nos muitos silêncios que nos ouviram chorar por dentro.
Algures na rua onde passas passa um vento que é meu, como o café me traz sempre uma lembrança tua.
Talvez um dia as lembranças acabem e se tornem momentos, até lá, volto a ti nas palavras inteligentemente sentimentais que leio quando me perco e me circunda um único desejo de voltar.
Aqui diz-se quando ninguém deixa. Aqui manda-se vir sem os gajos ricos deixarem. Aqui fala-se... E fala-se... Por ser isso que nos mantém vivos
Balelas (ou não) da Rua
Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
Há noites sem luz
As luzes da rua apagam-se brandamente, numa calma suspeita, toda a iluminação se finda num cruxar de emoções estafadas de tanto passar, finda-se num segundo as luzes de todo um dia. As lojam fecham as portas, encerrando cada uma à sua maneira a sua forma de estar, umas têm grades metálicas de ruidoso peso, debatendo-se por uma queda menos angustiante do que o esperado, outras singem-se aos vidros, esperando que um dia a humanidade os deixe sossegados, sem dedos moribundos a violarem o seu espaço, nem bafos inocentes de casais apaixonados querendo deixar neles a sua marca, ignorantes pelo decorrer do tempo que se encarregará de eliminar o bafo que os une e as letras que os já separam. Outras, sem luz, mantém dentro de si restos de humanidade em cabides fechados aguardando alma que as leve ao mundo, transplantando da cidade o que viverá melhor num campo sombrio.
As pessoas ainda andam, passeiam-se em passeios lamacentos, embora molhados, escorregadios embora hirtos, não subjando ocasiões para propositadamente deixar escapar o firme solo dos sapatos numa escorregadela infatilmente inocente que nos faça cair no colo de quem nos quer, ali, naquele instante, segurar pelas quedas imensas das descidas da vida.
O chiado não morre mas apaga-se, as luzes de natal que embalam em cabos de aço murcham com o frio, humedecendo os cabos em lágrimas de esperança, não têm luz mas brilham com a inocê
ncia infantil dos olhos de quem as vê iluminadas de esperança por algo melhor.
Vento. O cachecol circunda o pescoço com menos força, como o teu braço se enrola nele quando de frio se trata, uma ligeira carícia na face e uma pequena lágrima desce em solidão, pergunto-me por ti, se foste para ficares na distância ou se fui eu que me deixei partir para aquela distância imprecisa de quem está perto e, contudo, longe de oceanos. Parece a tua mão que voa, me circunda as faces queimadas de frio e se deixa ir com o tempo, segurando por si os restos inglórios que subjaram. O cachecol voa, larga o meu pescoço num último beijo e obriga-me a virar para trás, circundando-me em plena calçada, esticando o meu braço quente, abrindo em leque os dedos sem luvas, esperando que cresça algo humano que te permita alcançar, um gesto heróico que simplesmente te agarre e te faça voltar ao meu corpo.
Nada. Agarrei o cachecol e deixo-o na mão, quedado à sua posição, deixando cair fios de lã pela calçada enquanto me volto e mantenho a minha marcha, ele não volta ao meu pescoço e tu não voltas ao meu mar.
Não há luz quando te vais, basta aprender a andarmos na escuridão.
Fecho o casaco, levanto a gola que agora me cobre o pescoço e sigo pela noite dentro como qualquer outra criatura que acaba com as madrugadas.
As pessoas ainda andam, passeiam-se em passeios lamacentos, embora molhados, escorregadios embora hirtos, não subjando ocasiões para propositadamente deixar escapar o firme solo dos sapatos numa escorregadela infatilmente inocente que nos faça cair no colo de quem nos quer, ali, naquele instante, segurar pelas quedas imensas das descidas da vida.
O chiado não morre mas apaga-se, as luzes de natal que embalam em cabos de aço murcham com o frio, humedecendo os cabos em lágrimas de esperança, não têm luz mas brilham com a inocê
ncia infantil dos olhos de quem as vê iluminadas de esperança por algo melhor.
Vento. O cachecol circunda o pescoço com menos força, como o teu braço se enrola nele quando de frio se trata, uma ligeira carícia na face e uma pequena lágrima desce em solidão, pergunto-me por ti, se foste para ficares na distância ou se fui eu que me deixei partir para aquela distância imprecisa de quem está perto e, contudo, longe de oceanos. Parece a tua mão que voa, me circunda as faces queimadas de frio e se deixa ir com o tempo, segurando por si os restos inglórios que subjaram. O cachecol voa, larga o meu pescoço num último beijo e obriga-me a virar para trás, circundando-me em plena calçada, esticando o meu braço quente, abrindo em leque os dedos sem luvas, esperando que cresça algo humano que te permita alcançar, um gesto heróico que simplesmente te agarre e te faça voltar ao meu corpo.
Nada. Agarrei o cachecol e deixo-o na mão, quedado à sua posição, deixando cair fios de lã pela calçada enquanto me volto e mantenho a minha marcha, ele não volta ao meu pescoço e tu não voltas ao meu mar.
Não há luz quando te vais, basta aprender a andarmos na escuridão.
Fecho o casaco, levanto a gola que agora me cobre o pescoço e sigo pela noite dentro como qualquer outra criatura que acaba com as madrugadas.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
Não sou o caminho
Há quem procure caminhos a percorrer, directos, com luz, torneados de simplicidade estética e negação completa de contornos obtusos, onde passam silêncios calmos e sítios pacíficos, onde nasce o mar e o oceano se completa em tons azuis de alegria juvenil, criações deificas de um deus menor.
Nunca sou o caminho certo a seguir, escolhido, obtuso, perdido, emaranhado nele próprio, com cruzamentos na alma e entorses nos olhos, baralhado em si mesmo nas confusões muito benditas da vida. Não há luz que brilhe nem noite que fique, não há um silêncio eterno nem um perfil de barulho definido, apenas um aborrecido meio termo de tudo, uma relatividade absoluta do tudo, um tanto faz obrigado na alma, e uma indiferença cinicamente falsa de quem finge ter poucas opiniões.
Por se ter todas as opiniões do mundo, por se ter tanta escuridão como luz e por todos os paradoxos fingidos que se criam, não sou o caminho certo a seguir, podes sempre vir e ser a pessoa errada, quem sabe faremos algo certo no meio de todos os erros, não há por onde fugir, se ficares nunca poderás vir.
Nunca sou o caminho certo a seguir, escolhido, obtuso, perdido, emaranhado nele próprio, com cruzamentos na alma e entorses nos olhos, baralhado em si mesmo nas confusões muito benditas da vida. Não há luz que brilhe nem noite que fique, não há um silêncio eterno nem um perfil de barulho definido, apenas um aborrecido meio termo de tudo, uma relatividade absoluta do tudo, um tanto faz obrigado na alma, e uma indiferença cinicamente falsa de quem finge ter poucas opiniões.
Por se ter todas as opiniões do mundo, por se ter tanta escuridão como luz e por todos os paradoxos fingidos que se criam, não sou o caminho certo a seguir, podes sempre vir e ser a pessoa errada, quem sabe faremos algo certo no meio de todos os erros, não há por onde fugir, se ficares nunca poderás vir.
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