Caí o frio na cidade em pleno verão, a memória das coisas sem idade aquece-nos a alma, percorrendo as veias como uma injecção clara de calor, de alegria de espanto surdido num tempo em que os homens vivem sós. O nosso olhar verde como a natureza de Cesário cai apodrecido como as estações, endurecido pelo tempo que viu passar rápido demais e pelas ervas cortadas sem sentido, demasiados relógios sem tempo, demasiado veneno na madrugada. Apenas e só o caminho sem caminhantes, indo longínquos para sítio algum. Não é verdade tanto tampo longínquo, tanto fumo sem sentido, tanta roupa despida sem razão. As nossas madrugadas erguem-se agora pelo gelo dos comboios e dos cafés quentes que já não sabem ao mesmo, perderam o travo que nos sustía no silêncio das coisas, perderam o ânimo de lutar por todas as lutas do mundo. Sabemos que não viemos ao mundo colher flores em jardins tranquilos nem silêncios em espaços fecundos. Viemos sem razão mas viemos atribulados pela mente dos que não se sossegam sós.
Sento-me antes de entrar em palco, longe dos olhos dos espectadores, ainda vejo sentada à minha beira, pessoa sem nome. Olho-me ao espelho enquanto me visto com calma, retocando as pequenas rugas da minha roupa, compondo os cabelos já grisalhos, fiquei a ver aquela imagem já enrugada, onde as mãos já pesam e os ombros já atrofiam a postura. Não era cenário, não tinha cortina, estava demasiado despido de luta para saber gritar. A orquestra entoava os primeiros acordes calmos, o primeiro acto entoava-se em poucas palavras sem raiva, a minha canção sou só eu, não é este o meu espectáculo.
Quando eu voltar, o pano descer, as palmas surgirem, voltarei aqui ao meu camarim, voltarei à minha saudade, quando me despintar e perder no chão as roupas que não são a minha verdade.
Fujo de mim. Tu não estás lá.
Como o antigamente de todas as estrelas, brilham mais quando brilham os olhos de quem as vêem.