Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

sábado, 29 de dezembro de 2012

Enquanto nos soubermos de cor

Recosto me neste cadeirão felpudo, escarlate que nem sangue laborando o contorno do meu corpo, enquanto lentamente me afogo nos seus braços, reconfortante o pouco que me sobra de mim, neste vazio aconchegado, falta. A minha mão passa perene no seu braço, querendo encontrar um pouco de ti nele, absorvendo em cada minúscula faixa de pelo hirto o toque suave da tua pele, acariciando a vazia alma que me sustenta, chama me. Vivo destes murmúrios repetidos, estes pequenos enganos de alma, talvez seja cruel, talvez talvez. Enquanto a voz senão me alevanta, a saudade nos inventa, perco o tao pouco que ainda me resta.

De frente para o Tejo, aliciando a ponte com a sua majestosa impotência, prepotente, eloquente,olho so uma vez para ver quão bonita e esta avenida,este espaço recheado de vida e o riso das crianças na calcada,nao podia ser doutra maneira. Mãos vazias, cheias de nada, mundos quadrados e quadros pintados, de tanto nos esquecemos, senão do sorriso, nunca se esquece o sorriso de quem gostamos.

Neste mesmo quarto so comigo e com este cadeirão frágil de memória,aguardo a lua, finda a tarde, que ela entre neste espaço vazio, compadecida Madeira no soalho e vestes vermelhas nas paredes nuas, que a tua voz entre nele como a luz da lua,sonolenta, Nigéria, compadecida comigo.
Neste mesmo cadeirão, assento a tua alma na minha e juntos, abraçados, aguardamos o fim do mundo, hirtos, comparecendo a cada um os desejos de cada qual, solitários e nunca mais sozinhos, aguardamos o fim do mundo, ou o nascer de um novo dia.

Os meus olhos lentos abrem se ao mundo, continuo no cadeirão vermelho, ele esta igualmente sentado comigo, a janela aberta transparecendo um frio que me aquece a solidão, mar manha, talvez um dia venhas nascer ao mar, tecendo o horizonte e laminando a história de uma nova fonte.

Eu nasci noutro lugar donde se vê o mar tecendo o oceano, onde gaivotas voam livres e barcos se fundem a costa.  



Vivi nao sei porquê como um barco a mercê dos temporais, sei que o mar nao me escolheu e sei que ele fala de ti, entre dois tragos de vinho, sento me placidamente no mundo a espera que se me finda o tédio que me tenta a ir livre e sem pressa como um rio que regressa ao oceano

Deixemos espaço ao mundo para ele inventar eternas formas de sermos nós, de estarmos sós na companhia de novas gentes...
Ate ao mar lhe faltam barcos a deriva.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ontem

Ontem onde os problemas eram pequenas lágrimas caindo hirtas pelos esgotos da cidade partindo ao rio, que as levaria eternamente ao mar, repousando plácidas nas costas do tempo, deus da vida.
Ontem não sabia que não o dirias, que o silêncio era a tua forma de chegar a mim, de dizeres sem usares a lâmina das palavras, era um jogo tão fácil, a minha mão sobre a tua e o mundo nosso tempo de vida.

Hoje acredito em ontem, acredito com a fé que me resta nos tempos em que o sol brilhava nos erros e o reflexo da tua cara na água era o espelho lívido onde eu renasci, sempre e todas as manhãs à espera para te ver. Desde o primeiro tempo, ao primeiro instante, num ontem muito mais afastado do passado, há coisas que não se dizem nunca, veladas pela mudez que tantos cobre a sede.

Acredito no som. O silêncio é demasiado cheio para ter certezas, mas muito mais profundo, muito mais nosso, tanto mais passado.


Ontem fomos tanto e hoje somos apenas o infinito à espera de tempo.