Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Poço Profundo



Estamos aonde nunca fomos, estamos onde muitas vezes não queremos, ensurdecedidos de silêncio, mergulhados num vasto mar de nos mesmos, sem ondas, calmos e perenes na vida oca de estar só, procurando simplesmente algo nosso que seja ainda nosso, mas nunca fora de mim, mas nunca a ver, sem sentir, a brisa leve de mim no meu cabelo, um emaranhado sem fim de mim em mim mesmo, confuso e tão profundamente lúcido, em quinas de tédio e chagas de diversão, emaranhado em fios de pensamento, pensar não dói, a dor é que nos faz pensar.
Somos pedaços, pequenos pedaços de lágrimas e sorrisos esvoaçados com o tempo e esmagados pela saudade.
Uma vez ouvi que somos excelentes naquilo que fazemos, e que tal se nos fizermos a nós mesmo, uma auto construção, uma auto-busca pelos cantos obscuros do nosso ser, seremos excelente em nós mesmos?, consiguiremos algo dia criar esse ideal de perfeição no ideal de imperfeição que é o ser humano. ´Metade do que somos é o que existe do que apresentamos'.

Irei sempre onde estiveres, serei sempre o ideal que criaste, estarei sempre em todos os abraços, caindo com todas as lágrimas, em cada dente do teu sorriso, em cada lábio de um beijo, em cada mão, em cada castanho dos olhos, em cada calçada, quer me vejas quer não, serei sempre a brisa de todos os nossos ventos, as ondas de todas as marés, os cheiros de todos os perfumes, quer me sintas quer não, nunca serei o que não sou, nunca direi o que não quero, nunca fingirei o que não sinto, quer concordes quer não, afinal buscamos sempre ser fieis a nós próprios, quer saibamos quem somos quer não.

A minha ausência pertence a todos os que a sentem, mesmo que eu nunca a sinta. As palavras pertencem a todos os que as queiram para elas, mesmo que eu as queira só minhas, possessas de raiva e vãs de desejo.

Não somos mais um, somos aquele uno, juntos, separados, apartados de dor ou juntos de riso, somos o que queremos criar, em épocas que quiseres sonhar em terras por descobrir e mares por navegar, somos nós, altivos e confiantes, baixos e curvos, mas somos nós.

Um dia irei descobrir o meu mar, um dia irei ser o meu sol, um dia serei água de todas as flores, um dia irei chorar todas as dores e rir de todos os pecados, um dia serei o criador para no seguinte o destruir, um dia,..., até esse dia chegar serei quem nunca fui, além do mais que quero ser. Medo?, não, Os defeitos nunca são maiores que nós, juntos. Receio?, não, Os defeitos nunca são maiores que nós, juntos. Arrependimento?, Os defeitos nunca são maiores que nós, juntos, não.

Somos de ninguém e pertencemos ao mundo.
Pertenço se quiseres mas serei sempre ninguém, quer sejas ou não...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Pernoitas em Mim


pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes

Al Berto, in 'Rumor dos Fogos'

Lembra-te


Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Mário Cesariny, in "Pena Capital"

Cansaço


Leva-me no comboio da madrugada pelas baladas tristes da infância, por luzes que não se apagam, por canções que inundam e por vozes que apagam.
Transporta-me pelo mar, pelos amigos, pelos ódios e pelas perdas.
Manda-me pela estrada certa, desamparado de alegria, desencantado de poesia.
Manda-me todos os sóis, apaga-me todas as luas, que ninguém ve os cantos de dor que só se sentem quando nos dói, ilumina a alma e rega o pranto do choro, inunda-me os olhos com faisca de lagrimas.

Cansaço pobre antes de nascer, cansaço povo de um povo amarrada pelo presentes e pelo passado.
Amigo, cansaço, antigo, serás tocado pela agonia, esmagado pela ironia em cada tarde de alegria e em cada laço de cansaço, esmagado...

Cansaço amigo, Cansaço cansado.