Aqui diz-se quando ninguém deixa. Aqui manda-se vir sem os gajos ricos deixarem. Aqui fala-se... E fala-se... Por ser isso que nos mantém vivos
Balelas (ou não) da Rua
Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra
sexta-feira, 29 de março de 2013
Pela escuridão das luzes
Liga-se um cigarro a conduzir a janela do carro pelo caminho da noite, com estrada mas sem caminho, o volante rodopia lento, sem calma mas igualmente sem movimentos que exijam demasiada vida aos braços cansados, um gato preto passa pelo caminho, sobrevive, sente-se a falta do destino no banco de trás, sem saber para onde ir, acende-se mais um e acelera-se a fundo, com calma, sem movimentos demais nos pés que estas pernas cansadas estão de não andar. Com isto sou um homem da estrada, sem lugar fixo onde ficar nem gente que me prenda a algum lugar, fraco, frágil, não frágil desculpe-me, fraco, sem raízes não se criam árvores fortes. Está frio, mas isso não me impele a manter a janela aberta e o fumo num vai e vem silencioso e ofegante, este é o trabalho que tenho neste momento, não pensar, não querer, não chorar, não amar, não rir, não ser, não mais, por favor, não mais. O combustível também se vai queimando, ao ritmo das ondas que batem na areia, de dia branca, recosta à estrada, numa ténue linha obtusa e oblíqua, jamais recta ou tediosa, crescendo vagamente pelas encostas a dentro, com erva de um lado e areia doutro, tento descobrir qual é o sítio do meio onde eu gostava de estar, sem o compromisso nem a fome, jamais sede, trago um bafo mais quente que os outros, quem sabe o último.
Não há luzes na estrada, não são precisas, quem por aqui andas, sem o sol, não que apogueus maiores para revirar os olhos, queremos silêncio nas ondas e movimento nas ervas, não queremos faróis de frente nem animais pela retaguarda, queremos a travessia, não mais, só passar e esperar que com esta venha a sabedoria de quem não tem um sítio onde ficar, ou um ombro onde parar, nem os cigarros se ficam neste lugar.
Neste caminho não quero descobrir quem sou, nem espero uma epifânia maior, só quero ir pela escuridão, com o brilho dos meus faróis e o cheiro a nicotina que me trás a calma que a vida me tirou, queria ver o mar uma vez mais, não sei se última pois acredito que, independente do sítio onde vá estar no fim, vou ter sempre um lugar junto do mar. Procuro saber quem preciso, parar, escutar o silêncio e estar verdadeiramente só, para saber o que é verdadeiramente ter o segredo do vazio na mágoa dos dias. Não quero ganhar, nem sei se quero sonhar, fumo outro, tudo o que quis, o que preciso não me faz dizer que sim, só me faz querer acreditar que algures noutro lugar estarei verdadeiramente calmo e consciente da luz.
Decidi dizer coisas, só pelo prazer das dizer enquanto desenho formas no ar com o fumo que me corrói os pulmões, a alma?, como se todos tivéssemos o mundo ninguém ousaria negar a existência do universo, ou simplesmente, um mundo faz-se no silêncio, falamos para por termo ao que nos sustém.
Pelas três da manhã já queria mais altas as estrelas, o fumo já lá tinha chegado, e enquanto me refugiava na areia, a cem metros do carro que luzia sombra no pequeno areal aberto nas rochas pelo mar dos antigos, onde correu sangue pelas encostas agrestes e escarpadas, feridas pelo tempo e queimadas pelos abraços que não as tiverem, onde o fumo queimou a vida e deixou este resto de lodo rochoso, sem alma que o sustenha nem razões que o perpetuem na vida, não mais, mais camadas por detrás virão e deixaram vazia a recordação daquelas escarpas serenas, pequenas crianças dormindo sobre outras, eternas substituídas pela razão do tempo, adormecidas como eu, apenas diferentes porque eu respiro e ainda tenho os olhos abertos e a minha criança de dentro não se queima pela de fora na demora do seu tempo.
Secreta e pura não é a minha passagem pela terra, asos de loucura e resteas de luz me deixam aqui, eternamente na areia, sentindo a gente certa proclamando noutros mares, em ti respiro, em ti consigo a força de novo, Não mais escuridão, Não mais luz, o silêncio me dá as cores que preciso para amanhã,
Porque as árvores morrem de pé e os homens vegetam deitados na escuridão das luzes, na eternidade do tempo.
Pela eterna margem
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