Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Perpetuidade

Do sentido que temos, pouco dele dura para sempre, os grandes momentos da vida são demasiado curtos no tempo, demasiado rápidos na nossa história. Mesmo o que vive, sempre, no nosso coração, passa leve levemente pelas nossas mãos como pequenos grãos de memória que deixamos cair como crianças a aprender a caminhar.

O que esquecemos, não por falta de memória mas por falta de voltar, fica na perpetuidade do som, no infímo toque que nos lembra um do outro, o menos doce, amargo, torna-nos incompletos, assoberbados de pequenos vazios que nos enchem de nós.

Do que me lembro de ti, recordo que queríamos para sempre, tornar o nosso momento eterno, o nosso sorriso constante, a nossa escuridão infinita como a do espaço, flutuando como rios pelo espaço, protegendo-nos do que nos circunde, do que nos preenche, cruzando-nos imediata e afincadamente pelo trilho que criássemos.

Como tornamos tudo isto perpetuo?

Não tornamos. O silêncio que temos é maior do que a voz que hoje recordamos.


sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Pássaros


Nos meios dos pássaros que já não voam e das brisas que já não correm, há um deserto imenso de folhas recalcadas dos pés descalçoes que já não temos. De volta aos ramos caidos e às trovoadas secas, o ricochete das gotas do mar no teu cabelo, o rio secou. Não há quem suba o monte, não há corrente nem fonte, não há nada além de terra seca fazendo uma linha exíqua, tonta, arrependida, a voltar para ti como se assim tivesse remendo.
Um dia quando voltar, no fim que eras tu, não estarei cá para me ver, não voltarei a mim, serei outro que não este, numa estrada que não aquela, onde o infinito é tão pequeno como nós e o silêncio tão grande como todos.
Na luz da penumbra, desfolha-se um livro, talvez nas palavras dele existam respostas que nos teus gestos já não há.

De repente.
Não.
Num silêncio lento, num só gesto, numa só frase diz-me que ficas bem.
Eu vou e quando voltar, não voltarei. Há viagens que num sentido não têm sentido nenhum.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Tropeça em mim

Tropeça em mim e não pares, deixa-te ir, no sofrego do vento que vem de norte, deixa o gemido sufocar no teu peito e a minha mão no teu corpo queimando, deixa-te levar, eu sei quanto eu tive, deixa-te ir aos poucos, em lentos fragmentos de ti que não te fazem o todo. Não olhes para trás, deixa os meus passos de bicho livre pela estrada marcarem o passo, o instinto dos astros que desfiz. Eu sei que sons existiram e não resistiram ao silêncio dos olhos, às cicatrizes das palavras que calam o que não esqueci.

Tropeça em mim e segue. O que fica é meu, e meu andará pela forma perdida dos vendavais, pelo sinuoso caminho do tempo.

Tropeça em mim e vai.
Não fica nada além dos teus passos.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Sangrando

Quando soltar a voz no meio da escuridão, entrega por favor todas as palavras que guardaste minhas, todos os pequenos toques, de peito aberto e coração perdido vou sangrando. Quando abrir na gargante a força da crimeras, mesmo que não esteja certo, estou vivo, com o brilho dos olhos, espelhados, o tremor nas mãos, a segurança do ontem. Se chorar, sou homem do meu sorriso, sem espantos, sem espanto que tenha força para gritar, porque quando soltar a voz por favor entende, sou apenas eu a viver a só.

Sem espantos e sem silêncios, quando o sol acabar, soltarei a voz pelos ventos do amanhã, sem o preconceito do ontem, sem as amarras todas que o mundo fez, sem nada, despido de sensações e sentimentos, despido de tudo mesmo de ti.

Vejo outra vez o tremor das minhas mãos, perdendo a força do corpo, o sol molha o meu sorriso, as minhas lágrimas beijam levemente o chão como um abraço.Palavras por palavras arrancarei de mim a entrega, por garras e garras vou sangrando pelo tempo, nas lutas da vida que estou gritando.

De ti o nada. Tenho voz que baste para criar o silêncio.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Ouvir, Cantar, Saber

Sei que ainda há palmeiras onde as aves cantam e o sol relaxa a sua suavidade no verde esperança do dia, no alto do cume, tocando as pequenas nuvens, sei que vou voltar, ainda vou voltar ao lugar onde esta árvore cresceu, onde os pequenos ramos desbrotam com a primavera, ainda lá, irei voltar a ouvir cantar as dores de ontem, as esperanças de amanhã.

Sei que vou deitar na sombra desta palmeira que já não há, colhendo do seu ar o espaço imenso que acabou, beber do som o silêncio que já não há, espreitando as noites que não queria, o dias que não existiram num fundo imenso do nada.

Sei que ainda vou voltar, não em vão, não em silêncio, de me encontrar no fim da escuridão, no meio dos enganos e dos estranhos, depois das estradas em que me quis perder, no tudo e nada de te esquecer, aqui.

Sei que sabendo não sei, se algum dia voltarei a saber de nós.