Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Pequenos Inquietamente Frágeis

Algures longe de tudo reside um pequeno boneco de porcelana, em terras onde o sol brilha, onde o mar nasce perto e reside connosco pelos caminhos obtusos dos campos virgens e verdes, recheados de árvores e singelos bancos silenciosos onde residem pensadores de alma e filósofos do corpo. Longe de tudo há um imenso vazio de gente e uma multidão rouca e ouvidos surdos à nossa voz, aqueles cuja boca desenhada pelo contorno liso de um pincel se residem à lingua de Pessoa, aos gestos de Eça e ao criticismo amargo de Sena, a saudade do mar de Sophia, o revolucionismo esfuzeante de Ary e a rouquidão crítica de quem na chuva faz perólas sem água de Mourão-Ferreira.
De luzes e ouro se murmuram países, não deixemos a sorte com as audazes nem o silêncio para as almas penadas. Pergunta o pequeno boneco se de longe cair, alguém de perto o apanhará, com mãos suaves como aquelas que o fizeram a rir, as que contornaram um pequeno chapéu azul na sua cabeça, as mesmas mãos que lhe afagaram as lágrimas na noite.
A noite vem e traz consigo a escuridão de breu e todos os monstrengos que residem em cada um, nos resquícios de cada alma, escondido por entre portas, um figurão negro, alto, espantoso, sem uma réstea de luz ou uma imaginação dócil, sem um bom trato ou um coração saudoso. Importa esquecer, trata de lembrar que há-de passar, passar o tempo sobreerguido no vento, vendo as aves de longe, sem parar, tentar matar com porquês o que sobre de confiança, A noite é vil. Por ela, ficarás com a chuva dos dias e o frio dos desertos, com os buracos no mundo e os poços de terror, em todas as prisões mais negras, sem saber de quem, sem saber onde, sem saber, só.
Numa noite de chuva que não nesta, num país que não este, o pequeno boneco subiu à sua janela, viu uma lua tapada de lágrimas, chorando para a relva encharcada e de tez triste, rebaixada com o tempo, ele não chorou, chorar não sabe, escutou o silêncio, sentiu-se sombra de todas as sombras e uma pequena mão tocou-lhe no ombro e eternamente se viu caindo, sem nunca tocar o chão, sem nunca findar a noite, suspenso de tudo.
Viver é tão mais que estar e tão pouco lhe chega respirar.
Pudéssemos quedar juntos no mundo e ele seria a nossa casa.

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