Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

domingo, 17 de novembro de 2013

Sentares-te à mesa torna-se de tal modo uma rotina que dispares os olhos não observam com a devida tenacidade as margens obtusas do que os circundam, as pequenas sombras sobre a mesa, a posição errónea dos talheres, o pequeno folho onde assentava a panela, tradição, as crianças rugindo animosidade às voltas da mesa como uma plateia de circo, os traços campestres trazidos da cozinha, numa marinada de calor e desejo que acendiam a animosidade em nós, o desejo carnal de morder, perder nos sentidos da boca os doces travos da conquista. Saborear com a parcimónia devida os pequenos contrastantes, o alecrim, o louro, lamber o sal com sentido, morder com os olhos o mundo e tomar a fome como eterna.
Levanto a cabeça do prato que se pousa defronte e nada. Nem o trapo velho que lá costuma estar, nem os talheres compostos, nada. Silêncio, um absurdo de vazio conquistou este espaço, um vago néscio tempo de distância imprecisa, de desfasamento real, uma curva abstracta para dentro de nós, uma contorção anímica que nos estrangula.Perdemos pela passagem, aos soluços amargos, as pequenas surpresas, que sem sabermos, constituem as grandes imagens, delas se fazem livros e delas se fizeram pirâmides. Delas vem a força e dela nascem heróis.
À mesa o silêncio,
Façamos barulho enquanto tivermos voz.

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