Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Há noites sem luz

As luzes da rua apagam-se brandamente, numa calma suspeita, toda a iluminação se finda num cruxar de emoções estafadas de tanto passar, finda-se num segundo as luzes de todo um dia. As lojam fecham as portas, encerrando cada uma à sua maneira a sua forma de estar, umas têm grades metálicas de ruidoso peso, debatendo-se por uma queda menos angustiante do que o esperado, outras singem-se aos vidros, esperando que um dia a humanidade os deixe sossegados, sem dedos moribundos a violarem o seu espaço, nem bafos inocentes de casais apaixonados querendo deixar neles a sua marca, ignorantes pelo decorrer do tempo que se encarregará de eliminar o bafo que os une e as letras que os já separam. Outras, sem luz, mantém dentro de si restos de humanidade em cabides fechados aguardando alma que as leve ao mundo, transplantando da cidade o que viverá melhor num campo sombrio.
As pessoas ainda andam, passeiam-se em passeios lamacentos, embora molhados, escorregadios embora hirtos, não subjando ocasiões para propositadamente deixar escapar o firme solo dos sapatos numa escorregadela infatilmente inocente que nos faça cair no colo de quem nos quer, ali, naquele instante, segurar pelas quedas imensas das descidas da vida.
O chiado não morre mas apaga-se, as luzes de natal que embalam em cabos de aço murcham com o frio, humedecendo os cabos em lágrimas de esperança, não têm luz mas brilham com a inocê
ncia infantil dos olhos de quem as vê iluminadas de esperança por algo melhor.
Vento. O cachecol circunda o pescoço com menos força, como o teu braço se enrola nele quando de frio se trata, uma ligeira carícia na face e uma pequena lágrima desce em solidão, pergunto-me por ti, se foste para ficares na distância ou se fui eu que me deixei partir para aquela distância imprecisa de quem está perto e, contudo, longe de oceanos. Parece a tua mão que voa, me circunda as faces queimadas de frio e se deixa ir com o tempo, segurando por si os restos inglórios que subjaram. O cachecol voa, larga o meu pescoço num último beijo e obriga-me a virar para trás, circundando-me em plena calçada, esticando o meu braço quente, abrindo em leque os dedos sem luvas, esperando que cresça algo humano que te permita alcançar, um gesto heróico que simplesmente te agarre e te faça voltar ao meu corpo.
Nada. Agarrei o cachecol e deixo-o na mão, quedado à sua posição, deixando cair fios de lã pela calçada enquanto me volto e mantenho a minha marcha, ele não volta ao meu pescoço e tu não voltas ao meu mar.
Não há luz quando te vais, basta aprender a andarmos na escuridão.
Fecho o casaco, levanto a gola que agora me cobre o pescoço e sigo pela noite dentro como qualquer outra criatura que acaba com as madrugadas.

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