Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Voltar

Volto a ti em todas as noites frias em que leio, numa conturbada mescla de êxtase e receio, de profundo alheamento pelo medo de me tornar demasiado próximo, demasiado íntimo das tuas palavras, nunca sabemos a quem escrever ou o que escrever para nós, sempre uma certa indecisão plácida de nos lermos nas palavras, uma Ricardiana tentativa de separar de nós o que acreditamos ver de nós mesmos. Todo este processo de aproximação/afastamento provoca um atrito leve na alma, um desassossego delicadamente saboroso, como uma pequena fria lambida pelo oceano salgado das tuas letras, inicialmente um ardor profundo que nos acorda, depois um silêncio apaziguador de quem fere os olhos com a escuridão e se deixa ir sem medo até à luz, não sossegado e ignorante mas ansioso e desperto, todo isto é demais e tudo isto é tão bom. Sentir de ti o bafo vivo da inteligência sentimental, não me tinha lembrado deste conceito antes mas se não existir é teu, inteligência sentimental, ter a precisão cirúrgica de dissecar os sentimentos em cada frase, muitas vezes curta, mas extensível para dentro até ao infinitivo das almas, até ao termo dos corpos.
Por muito longe que estejamos, por muitas ausências que partilhamos, umas tuas, outras minhas, infelizmente sempre nossas, sabemos, acredito que sim, voltar ao início, voltar à nossa praia nos meus rochedos que partilhamos e nos muitos silêncios que nos ouviram chorar por dentro.
Algures na rua onde passas passa um vento que é meu, como o café me traz sempre uma lembrança tua.
Talvez um dia as lembranças acabem e se tornem momentos, até lá, volto a ti nas palavras inteligentemente sentimentais que leio quando me perco e me circunda um único desejo de voltar.

1 comentário: