Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Frio

 Abro a janela para ver o pálido branco que a abraça, esgueirando-se do sol frio que se reflete na calçada. É janeiro, é frio e tenho apenas o silêncio da madeira do chão comigo, articulando nos pés gelados o bater das ondas das marés que fazemos ao deambular por esta espaço nu, selvagem e sem árvores maiores. A janela branca continua a salvar-me de ver a rua, oculta dela o meu semblante cansado e oco, é, neste momento um balão de oxigénio ao não permitir que mais ar entre neste espaço, neste corpo. Ao canto, a cama de ferros preta, destapada, nua, continua a agarrar-se às mesmas madeiras do chão que calco com os pés feridos do frio. A energia que tenho traz-me de volta a ela e ao seu colo. Nada do que lá fora se passa me chama, a não ser a branca janela que me salva de ver a rua e o meu próprio reflexo. Tapo o espelho do canto. Apago a pequena luz rebelde que se encedeia à beira do ferro preto da cama despida. O escuro abraça o silêncio e vem-me dar um ténue beijo no gesto, sabe que é a nossa hora.

O tempo é de frio, a janela é do gelo e eu, iceberg morto, continuo a rolar pelos tacos de madeira à procura da profundidade certa para me afundar. Escolho o taco mais frio, virado para a janela que não me reflete e sento-me despido de mim e dos outros. Quando a lança de frio que repousa no chão me agarra com força e uma última lágrima desce as colinas do meu rosto eu paro.

Aceito que o maior frio é o que trago comigo na almae todo o gelo do mundo se derrete ao mirá-lo.


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