Deito-me no sofá, sem cobertor, sofrendo um pouco do frio nas mãos e no nariz, a minha respiração é mais pesada, como se pó tivesse mudado para os meus pulmões e lá fizesse casa, cidade e campo. A respiração pesa, cada bafo singelo de ar que entra percorre uma imensidão farta de pouco espaço até conseguir chegar ao seu destino e de lá voltar, pesado, sujo, lento. A mão é pesada, não por peso mas por falta dela, por falta de força e, talvez, pelo frio que me invade. Não está frio lá fora. Está frio cá dentro. As rugas que se entrelaçam nas pequenas manchas castanhas da mão, estão salientes, não pulsantes, salientes, como rios invertidos com a sua base no topo da pela, revoltos, entrelaçados. As unhas são pálidas, cansadas de tanto terem feito pelos anos, a pequena luz da janela ao longe permite ver as quebras que lá estão, que cá ficam. Não têm brilho, não têm tamanho, têm sítio onde pousar, isso já é tanto, demasiado, para tanta, demasiada, gente. Pouso a cabeça na almofada, sugeringo um descanso, deixo-a ir, encontro a posição, rodo, empurro, puxo com ar o espaço, até chegar ao mínimo desconforto possível. Estou. Vou.
Vejo que te aproximas e te sentas no chão à beira do sofá. Olhas-me sem expressão, olhos caiados de sal, ficando baço na expressão e hirto no corpo. Estás tenso. Não é hábito teu estares assim, tens um corpo fluido, das poucas vezes que te vi, que te encontrei numa esquina mais sombria e me olhaste com desprezo, não era hora de falarmos. Hoje estás mais próximo, vejo que queres falar e não consegues, que queres entir mas não podes, não és o protagonista deste momento, talvez sejas dos próximos, és de certeza dos próximos. Agarras a mão, não é aquele agarrar forte que vemos nos filmes, é um pousar da minha mão na tua, um enlace sem prender, que me deixa a mão fria, mas serena.
Se me perguntarem se quero ficar mais quente, uma manta talvez?, direi que não. Se quero mudar de sítio, as forças faltam e o desejo não assiste, hoje quero isto.
Agora espero. O ar entra e sai, com mais força, mais esforçado, mais devagar, diminuindo as passadas como se de uma pauta se tratasse e o seu fim estivesse próximo, deixa ir, a música baixa, não acaba, eu não sei quando acaba.
Quando for hora, quando for a minha hora, quero ir assim, sem gente, só eu e tu que me olhas vazio, abraçando uma última vez, sentido um último suspiro. Quero ir assim, sem gente, só nós, acolhe-me e deixa-me sonhar a derradeira vez com campos secos e sobreiros solitários em planíncies de sol morno. Quero ir assim. E vou.