Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

La Foule

Adoro o som do piano reflectido numas pequenas notas de whiskey, embaladas pelo ritmo escondido das nossas pernas basculantes por baixo das mesas de madeira onde nos sentamos sempre, elas balbucinam sem nós queremos, dançando a nota mais alta, atropelando os pequenos silêncios e exarcebando as melodias com pequenos toques no chão oco. Não é pecado o barulho, não se intromete na música tal como o álcool não se intromete na minha visão do teu rosto. O bar é o de sempre, já nos conhecem, É o costume, e servem-nos com um sorriso de velhos amigos, nem sabemos o nome deles mas sorrimos com a mesma magnitude, Obrigado, e o sorriso mantém-se enquanto nos cruzamos em múltiplos planaltos da vista.
A cantora chega, aquecida de voz, cabelos negros esfuziados de jazz pelas alturas, conturbados como a alma de quem a escuta, Boa Noite, suave, melancólico mas com uma vida tal que encanta as estrelas, elas mesmo dançam esta noite. Começa, pequenos sons, nada de palavras, não precisamos delas para expressar o mais puro, começáms a vida sem elas e muito possivelmente acabaremos igualmente mudos, com sons da alma, expirações sonoras da morte do corpo.
O piano toca, acompanha-a, à alma naquelas teclas, um ritmo crescente, uma alegria maior, um som juvenil, feliz, de quem ignrava a chuva da rua e o frio dos corpos, La foule. Os corpos dançam, as bebidas repetem-se, as pernas falham e tu falhas em mim, caímos.
Nada mais irrisório que cair para perceber o jazz, quando estamos no topo, há algo que nos impele ao chão, nos chama, nos agarra. A forma não está na queda, mas no toque que damos quando chegamos ao chão, podemos chegar a chorar e lá ficar, ou tocá-lo a rir pronto a criar altitude.
Voltamos à dança, a cantora pára para se rir também, o piano não, sustém a postura da música na ausência da voz. Ficámos assim os três, rindo, uma foulie infantil e sem sentido, completa.
Mais um corpo e a noite cresce até chegar a manhã, até o gelo derreter e os corpos se ressentirem do fumo e acabarem na madrugada.
Encontramo-nos no fim.

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