Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

domingo, 20 de novembro de 2016

Azul

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O azul do céu pode um dia cair sobre nós e a terra inteira um buraco imenso parir, não me preocupo desde que estejamos juntos, não preciso de saber do resto do mundo desde que todas as manhãs me inundes de ti, desde que o meu corpo colapse nas tuas mãos, não quero saber de todos os problemas, porque somos juntos. Resgataria o fim do mundo, deixaria me abalar pelos cortes da inércia, se o pedisses, roubaria a lua e as fortunas, renunciaria à minha pátria, renunciaria, podes te rir mas qualquer ato de loucura é meu. Se um dia a vida nos separar, para longe um do outro, para pontas opostas do mesmo ser, não me preocupo se ainda me amarás, teremos para nós a eternidade, o azul imenso, o céu sem problemas, enquanto acreditarmos em nós.

Deus junta aqueles que se amam.

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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Pour tout se dire encore ou bien se taire

Deixa-me cuidar de ti, ver em cada espaço teu o limite mínimo do meu, regar no teu encanto o meu canto tosco de sentir, voltar a dormir com os teus olhos no meu e deixar-nos ir no tempo com a saudade que já não demos, dar-te a paz que perdi, ver a parte triste do teu abraço, o canto perdido do teu beijo, deixar-te ver o jardim imenso que nos faz acreditar, ver nele o rio que criámos, as nascentes que temos e os barcos que velejam sobre cada toque teu, sobre cada espaço nosso.

Deixa entrar a minha voz, percorrer a tua alma como faz o vento, entrar no teu regaço e nele ficar, na calma eterna dos que têm sede, olhar de vez o que te faz crescer, o que te fez ir e o que não te faz voltar, ver no teu riso imenso todas as cores do mundo,

E não te ter, apenas ser contigo o que não sou sozinho.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Pular a Cerca

Aquece as mãos, vai embora, chega de dias e horas, lutas e dores, chega de cercas na alma e presas nos dentes, chega de troféus e medalhas, honras e misericórdias, a farsa continua e vai mudar custe o que custar. O sol nasce, as mãos tremem, o sorriso aquece, a corrida marcha, é tudo em rápido, é tudo em longe, faz uma mancha e esfrega a alma, salta a dor, pula o sorriso, esquece o ódio, apaga o amor, lava as tuas chagas e as de quem quiser, a vida continua e algo vai mudar.
As cartas lançam-se, a marcha arranca, os homens caem, as almas morrem, os barcos afundam e as gaivotas nadam, a água seca, o vento queima, eu sei que algo vai mudar.

Custe o que custar, algo vai mudar.

domingo, 3 de julho de 2016

Ido

Volta a noite com todas as estrelas, de todo o fogo que sai das tuas palavras eu deito o meu corpo sobre a chama incessante, finjo dormir, sei no entanto que me vês... tenho que me deitar... mas se eu quiser mesmo ir, se eu desejar tanto, só eu me culpo da distância, só de mim se separa o tempo.

Se for verdade o que as pessoas diz, que a escuridão aparece antes da luz, tenho que me deitar, se formos demasiado fracos para continuar, tenho que me deitar e deixar cair, perdendo tudo na queda, sentindo o vento nas costas, a cabeça a pesar, os braços a quebrar, e o universo inteiro a sugar-me para um novo espaço.

Se quiser mesmo o outro lado do ontem, basta ir e voltar de novo, basta fazer e deixar queimar, basta de bastar, para pior ou melhor... Porque do outro lado do ontem, para lá do esquecimento e da dor, do vazio e da névoa... deixo me cair...



Se quisermos mudar a página, apagamos o adeus e escrevemos de novo o que nunca conseguimos começar.

Vidro ou o Holismo de coisa nenhuma

Os copos partem-se sabias? Basta um tilintar mais sedento de gravidade e tudo por dentro se corrói, vibrando as pequenas partículas atómicas que constituem o chamado todo (se é que existe algum todo em parte alguma). A verdade é que nunca há um vencedor quando um copo se parte, das mãos de uma criança inocente, de um grito alto de pânico, de um pequeno soluço de raiva, a inocência segue o movimento atómico a atravessa-se com ele pelo infinito, até não o haver jamais.

Eu não sei, logo não me pode magoar. Era tão bom que fosse verdade e não o é, não consigo deixar cair o copo e vê-lo quebrar, perder o jogo de propósito, fazer o sentido inteiro e deixá-lo cair, ver com um sorriso sádico ou um olhar inanimado o desmantelamento dos átomos, indo um a um no seu caminho distante, nunca mais se juntando.

Mesmo que um dia o copo se cole, os átomos nunca, as ligações intrínsecas da ciência não permitem que os atómos se voltem a encontrar na vida, mesmo que juntos, estão condenados a viver separados.

Seremos algum dia mais do que a soma das partes?
Porque um dia que me consigas colar acho que não mais voltarei a partir...

quinta-feira, 17 de março de 2016

Não sei de onde...

Ainda me escapa de onde a saudade vem, hirta como uma espada, passando devagar pelas almas que possuímos, cruzando caminhos perdidos pelas ansiedades do corpo, a palavra saudade é tão pura como culpada, tão verdade como as pedras que pisamos e no entanto não a vemos, só choramos. Ainda me escapa de onde vem a saudade que dói devagar, aquela que vem e não passa, que dorme connosco e nos deixa não sonhar, deambulando nas amarguras do coração, deixando-se ir com os tempos e tempestades, ficando-se pela garganta das palavras, sem nunca dizer, sem nunca andar, sem ser dentro de si, sem ser dentro de nós. Ainda não se de onde vem a saudade mas sei que de ti nasceu, viva, com o encanto que lhe é própria, por enquanto, por ser tanto, por ser vida, enquanto demoras, enquanto esperas e nos tempos idos que custam a passar ela passa por nós, aliás, passa connosco pelo ferro e fogo do tempo, pelas mágoas e sorrisos, pelo tempo e pelo vento, por ser tudo o que temos quando não estamos, por ser tudo o que queremos quando não tempos, por ser a vida que temos enquanto a gente for viva.

Ainda não sei de onde a saudade vem mas sei que vai contigo para onde fores, comigo.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

É Preciso Saber



É preciso saber perder o tempo ganho na infância e deixar ir com as memórias de um menino perdido no seu sorriso e no dos outros, a inocência das mãos juntas, a ousadia dos saltos mais altos pelas poças do mundo e os pequenos gestos de amor infinito, é preciso saber ir pelas casas escuras do mundo e pelas noites imensas dos dias, com a cabeça erguida e os joelhos trémulos, inseguros, saber que um dia a manhã brilhará e o sol falará mais alto, saber que até lá as noites são frias e os passos inquietos, que em cada linha do amanhã há um pequeno espaço em branco, absorvendo cada gota de tinta que sai dos dedos cansados e dos olhos molhados, é preciso saber sangrar, deixar fluir os líquidos máximos do corpo, vendo os rios de vozes juntas e os silêncios das multidões, é preciso ver barcos embarcar e ir para o longe, ter no porto o descanso imenso da solidão e na margem de todos nós o segredo pasmado de quem nada tem a a guardar.

É preciso deixar escapar pelos nós o ar de quem não respira e ter em cada bafo o universo imenso.

É preciso ser para se poder deixar de existir.