Balelas (ou não) da Rua

Nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Há noites sem luz

As luzes da rua apagam-se brandamente, numa calma suspeita, toda a iluminação se finda num cruxar de emoções estafadas de tanto passar, finda-se num segundo as luzes de todo um dia. As lojam fecham as portas, encerrando cada uma à sua maneira a sua forma de estar, umas têm grades metálicas de ruidoso peso, debatendo-se por uma queda menos angustiante do que o esperado, outras singem-se aos vidros, esperando que um dia a humanidade os deixe sossegados, sem dedos moribundos a violarem o seu espaço, nem bafos inocentes de casais apaixonados querendo deixar neles a sua marca, ignorantes pelo decorrer do tempo que se encarregará de eliminar o bafo que os une e as letras que os já separam. Outras, sem luz, mantém dentro de si restos de humanidade em cabides fechados aguardando alma que as leve ao mundo, transplantando da cidade o que viverá melhor num campo sombrio.
As pessoas ainda andam, passeiam-se em passeios lamacentos, embora molhados, escorregadios embora hirtos, não subjando ocasiões para propositadamente deixar escapar o firme solo dos sapatos numa escorregadela infatilmente inocente que nos faça cair no colo de quem nos quer, ali, naquele instante, segurar pelas quedas imensas das descidas da vida.
O chiado não morre mas apaga-se, as luzes de natal que embalam em cabos de aço murcham com o frio, humedecendo os cabos em lágrimas de esperança, não têm luz mas brilham com a inocê
ncia infantil dos olhos de quem as vê iluminadas de esperança por algo melhor.
Vento. O cachecol circunda o pescoço com menos força, como o teu braço se enrola nele quando de frio se trata, uma ligeira carícia na face e uma pequena lágrima desce em solidão, pergunto-me por ti, se foste para ficares na distância ou se fui eu que me deixei partir para aquela distância imprecisa de quem está perto e, contudo, longe de oceanos. Parece a tua mão que voa, me circunda as faces queimadas de frio e se deixa ir com o tempo, segurando por si os restos inglórios que subjaram. O cachecol voa, larga o meu pescoço num último beijo e obriga-me a virar para trás, circundando-me em plena calçada, esticando o meu braço quente, abrindo em leque os dedos sem luvas, esperando que cresça algo humano que te permita alcançar, um gesto heróico que simplesmente te agarre e te faça voltar ao meu corpo.
Nada. Agarrei o cachecol e deixo-o na mão, quedado à sua posição, deixando cair fios de lã pela calçada enquanto me volto e mantenho a minha marcha, ele não volta ao meu pescoço e tu não voltas ao meu mar.
Não há luz quando te vais, basta aprender a andarmos na escuridão.
Fecho o casaco, levanto a gola que agora me cobre o pescoço e sigo pela noite dentro como qualquer outra criatura que acaba com as madrugadas.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Não sou o caminho

Há quem procure caminhos a percorrer, directos, com luz, torneados de simplicidade estética e negação completa de contornos obtusos, onde passam silêncios calmos e sítios pacíficos, onde nasce o mar e o oceano se completa em tons azuis de alegria juvenil, criações deificas de um deus menor.
Nunca sou o caminho certo a seguir, escolhido, obtuso, perdido, emaranhado nele próprio, com cruzamentos na alma e entorses nos olhos, baralhado em si mesmo nas confusões muito benditas da vida. Não há luz que brilhe nem noite que fique, não há um silêncio eterno nem um perfil de barulho definido, apenas um aborrecido meio termo de tudo, uma relatividade absoluta do tudo, um tanto faz obrigado na alma, e uma indiferença cinicamente falsa de quem finge ter poucas opiniões.
Por se ter todas as opiniões do mundo, por se ter tanta escuridão como luz e por todos os paradoxos fingidos que se criam, não sou o caminho certo a seguir, podes sempre vir e ser a pessoa errada, quem sabe faremos algo certo no meio de todos os erros, não há por onde fugir, se ficares nunca poderás vir.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

St. James

Na enfermaria onde repouso há um branco em toda a parte, as paredes são brancas, as camas metálicas mas brancas, os lençóis pálidos e as pessoas plastificadas, não há nada de luz neste branco, apenas vazio, uma busca incessante nas imagens brancas por algo que nos nutra de sentimento, algo profano que nos corrompa e nos faça ser homens, mais que animais. Nesta ala não há mais pacientes, não subsistem gritos nem mordaças, não há camas partidas nem lençóis desfeitos, tudo está na mesmíssima precisa distância apocalíptica que criou o humano, perfeito, inteiro, branco, único, limpo, sem sinal de vida, sem subsistência de morte.
Ao fundo, perto das janelas que revestem toda a parede e dão para sítio nenhum, que não reflectem as árvores da rua, nem os pássaros dos campos, só branco, sem luz, pálido, há um piano de cauda, um tradicional hollywodesco piano, em silêncio. Toca a primeira nota, e silêncio, e a escala vem, resplandece tudo de vida e cala. Silêncio. Renova, volta, vem, nasce de novo e numa exígua perspicácia mantém-se perene no som, e cria ritmo, e faz vida e faz sentido, e sem nada transparecer nasce.
Saio da cama, não me calço, não me visto, sigo. Ao ritmo da melodia, ao som dos acordes, sentindo toda uma nova fragrância a queimar-me o corpo e a impelir-me ao movimento, crio passos, não os dou, crio, mais pesados, mais compassados. Silêncio e tudo para.
Se eu me ficar por aqui, deixei-me com o piano, talvez um dia ele toque alto e eu volte para acabar o que nunca ganhou começo.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Fragmargens II

Não me quero destruir, não me quero olhar, quero acabar longe, num sítio só meu, onde possa ver o mar, onde possa plantar árvores e vê-las crescer, onde possa dizer que não tenha paz e onde possa pedir mais, onde há bancos de madeira vazios e mares por provar, onde a areia queima nos pés, cortando-os em pequenos golpes sem dor, onde se construam cidades pelos rios e barcos com as marés, onde possa ir, sem nunca voltar, sem nunca me  deixar.  Ser folha branca para todas as tintas do mundo, sensação para todos os ventos, corpo para todas as facas e pensamento para todos os ignorantes, só mais uma vez, só esta vez.
Onde passa o frio, onde jogo comigo, onde me tenho para me sentir bem, onde o calor passa pela manhã e a lua cai de tarde, onde penso em ti, sem dor, sem sentimento, só pensar como criança inocente a brincar ao faz de conta.
Quero é ver, sentir, provar, ir, ser , liberdade, criar margens.
Ser à margem do mundo, a margem de mim mesmo.

Deixar para trás

Esconder, guardar, deixar, queimar, ficou a noite rendida, uma janela para o rio e um monte no longe, o vento está mais frio e a noite mais barulhenta, tu olhas-me com ar sério, uma carta rendida e um vazio a esperar, uma letra apagada e um beijo roubado, um toque que se desmancha e uma memória que renasce, uma festa que se ganha, uma pedra que cai, uma fuga no campo, um rio que bate e uma rocha que não cede, um bafo quente e um olhar perdido, não és tu, não somos nós que nos perdemos, só os outros não nos encontram, o cenário manda dançar, a noite faz lembrar, tu não és nada, a madrugada vem, os carros apitam e a gente olha, vejo os teus traços, os meus lábios, acabo em ti, nasces de nós, tenta parar, o corpo não deixa, a boca não morde, as mãos não largam, a noite aquece, o vento foge, as ervas crescem, e nós perdemos, nós esquecemos, nós somos, nós estamos, nós não existimos, vês?, estás só!

Quimera

Tropeço em mim e passo por Lisboa. Cresce em cada caso uma milagrosa magia de desprezo, de desconfiança e nojo, somos nós a morrermos sós. Se me bateres à porta, hoje, direi que não, não quero ilusões, nem transtornos aos olhos, se vieres direi que não, se um dia nos virmos sorrirei com gosto como quem passa por um oásis em pleno deserto, até lá nego. Nego querer, nego ser, nego tudo e nego-me ao silêncio.
Há nesta rua demasiada gente a passar, gente de negócios bem vestida, artistas descambidos e personalidades exuberantes, não há som contudo. Chove e não oiço nada. Não bate em terra a água pura do céu, não salpica os olhos, não limpa a alma apenas passa por nós como a noite, não fica, não deixa, vem e parte como tudo o resto. Ouve a chuva na terra molhada, não aqui, longe, rasga a luz em som e talvez me oiças a dizer adeus.
Quando a chuva vem de noite e ninguém bate à porta, não salto da cama, nem me aparto nela, sinto-me num limbo de quem não é, não é sossego, nem é esperança, não sente, nem dói, subsiste.
Quando a noite passa e a madrugada vem, quimeras são as que ladrão pelos terrenos lamacentos deste bairro, porque vivo?, ironicamente passam outros.
Quando bateres à porta nego que te abra,
Não te garanto que esteja fechada.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

E depois partes

Um pequeno toque no braço, por muito longe que os meus olhos te apanhem, aquele breve suspiro que fazes quando acordas ao meu lado e eu não te vejo, o brilho que há nos nossos olhos quando se cruzam e as pequenas letras que, tecidas, nos entrelaçam, juntos, estreitos, numa espiral infinita de desejo e sabedoria parva, um tom sentimental, nada nosso. E voamos, imaginamos mundos, construímos universos, pequenas criações juntas, pautadas pelo sorriso imaginário de duas crianças que trocam palavras como quem troca carinho.
Depois, silêncio.
No fim, partes.
Fica o espaço sempre que voltas, deixas silêncio sempre que partes.

Será que dissemos o quanto mudámos a vida um do outro, quanto criámos, quanto ainda queremos criar e se queremos o mundo?
Podemos amanhã não dizer e amanhã ser tarde demais.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Noite IV

Sigo sozinho nos desertos do meu carro, profanando a cada curva os segredos intrínsecos da memória do teu corpo, circundo os sítios populosos e chego à solidão da terra. Confuso e abstracto, que tenha eu frieiras se as multas que me chegam são muito menos do que as que passam, tenho eu arranhões na alma, riscadas pelas tuas unhas cravadas em agonias lentas.
Como dizia uma criada que mal sabia ler, o meu momento é o presente, vou para a cama estou doente. Estou longe dela, de tudo, junto do silêncio e deste nuvem de fumo que começa a embaciar as janelas do carro, já ninguém me vê lá dentro.
Tira tudo, perde-te, não sei ler também, deixei na cidade o que me põe doente.
Não há ninguém aqui. Ninguém aqui fica, tudo o que vem passa porque eu não aprendi a fechar portas, só a abrir fechas por onde usurpa o espaço, Não te quero. Quero-te. Não sei que mais querer senão uma beata de cigarro a escorrer me no braço, queimando lentamente o seu caminho até numa volúpia escarlate desafiar a gravidade a pequenos soluços e atravessar um chão que não se deixa trespassar.
Um bafo mais quente e uns faróis que passam, nem a luz aqui se deixa prender.
Não há espaço nos bancos para que cries margens, nem tempo para te deixares ir. Vivo do que me dão, até não viver mais e ter que procurar ódio nos olhos de outro alguém.
Saio dele, o vento bate frio, o cigarro ressente-se e a alma apaga-se, os pequenos toques no vento ao passo ritmado da dança do casaco lembram-me de ti, um dos 'ti' que por aqui passou, não estás, eu não quero, eu quero. Deixas-te passar como este vento também passa, como as ervas também voam e como os pássaros se vão esconder nos recônditos caminhos de deus. Viver do que nos dão é tão menos do que viver com o que se quer.
Acende-se o último e já não sei ler, a porta ficou aberta e eu persigo a chapa das restantes, queimando a mão no frio ardente que ali vivia, ou apenas passava, chego ao fim dele e continuo, Olho de relance para trás, vejo, no vidro pálido vejo, na chapa iluminada pela brisa, vejo, no pequeno traço espelhado da marca, vejo, e só me vejo a mim,
Continuo, uma lágrima caí e mais um bafo se enche, o corpo contorce-se mas não para, a alma dói mas não se vai, todo os meus olhos se fixam naquela imagem e no fumo que agora a cobre,
Porque me traíste tanto?
e eu não consegui responder

domingo, 17 de novembro de 2013

Sentares-te à mesa torna-se de tal modo uma rotina que dispares os olhos não observam com a devida tenacidade as margens obtusas do que os circundam, as pequenas sombras sobre a mesa, a posição errónea dos talheres, o pequeno folho onde assentava a panela, tradição, as crianças rugindo animosidade às voltas da mesa como uma plateia de circo, os traços campestres trazidos da cozinha, numa marinada de calor e desejo que acendiam a animosidade em nós, o desejo carnal de morder, perder nos sentidos da boca os doces travos da conquista. Saborear com a parcimónia devida os pequenos contrastantes, o alecrim, o louro, lamber o sal com sentido, morder com os olhos o mundo e tomar a fome como eterna.
Levanto a cabeça do prato que se pousa defronte e nada. Nem o trapo velho que lá costuma estar, nem os talheres compostos, nada. Silêncio, um absurdo de vazio conquistou este espaço, um vago néscio tempo de distância imprecisa, de desfasamento real, uma curva abstracta para dentro de nós, uma contorção anímica que nos estrangula.Perdemos pela passagem, aos soluços amargos, as pequenas surpresas, que sem sabermos, constituem as grandes imagens, delas se fazem livros e delas se fizeram pirâmides. Delas vem a força e dela nascem heróis.
À mesa o silêncio,
Façamos barulho enquanto tivermos voz.

Molière

Estou sentado nas abordagens recônditas do palco, longe dos olhos bifurcados na escuridão, da svozes quentes e do bafo dos aplausos ecoando pelas miragens de ouro, únicos restos da magnífico, onde procura o público, a dor, a garra, ainda não estou lá.
Não te sentes aqui, não agora, pinto-me os traços por baixo das rugas marcadas pelo desgaste, desgosto, pelos lados que me perderam e pelos sonhos que me deixaram, por todos os silêncios que não cumpri e por todas as palavras que não direi, aqui, antes, no prólogo de tudo, espera-se por algo, algo onde nunca estive, um tempo em que nunca me perdi, não tu.
Não quero sentir o teu bater, não perto de mim, fecho a porta e tu andas pela amdeira, como na primeira vez, e sei que aqui algures, num bau, está a resposta. Porque eu não sou deste palco nem tu desta história, quando me procurares nele saberás que farei tudo para lá não estar, caminhamos para algo, maior que nós, e lá, no fim, acabaremos de mãos dadas e costas voltadas ao tempo, eternos amantes ao luar.
No fim do espelho, no intrínseco sono dos meus olhos, há uma pequena lágrima seca, há espera de ser chorada, não hoje,
Visto-me e saio do camarim, pronto, penteado, com pó de sobejo, com a pouca humanidade guardada no bolso,
Saio ao palco, na rua há demasiada desumanidade e esta plateia está vazia,
Na tua ausência o vazio vira horizonte.

sábado, 16 de novembro de 2013

Noite III

Há uma luz que se apaga na noite, as janelas revestem se de pequenos sois amarelos e brancos, intercalados por silêncios, ausências, como em tudo, uma mescla de cheio e vazio num absurdo convívio ensurcedor. Pessoas a pé circundam os carros já parados nos seus repousos, os vazios deixam de existir mas nem por isso se enchem, apenas passam a noite com a companhia inútil de quem parte pela manhã. Um deles imunda ainda calor, o rasto de quem foi usado e já não mais, apenas se queda ali no silencio com os outros, ninguém fala nesta rua, ninguém se conhece nesta estrada, somos todos companheiros da nossa viagem.
Pelo fim da rua, envolto em fumo, reside um resto de homem, um cansaço com pernas que se arrastam no alcatrão com a forca resistente das magoas, o arrastar de ferro pelas teias ferrugentas do tempo, lascando com faíscas negras as faixas obscuras da humanidade. Acende se um isqueiro. Não há mais caos neste edifício que anda.
Outro cigarro se enche e outra madrugada se acende.  Nenhum deles percebe o que mais ninguém reconhece, a solidão dos homens, o silencio dos fracos.

Cidade

Quando a cidade me despenteia, largando as roupas pela madrugada, tecendo corpos pelo Temo e deixando pela calçada pequenos rastos de alma, perco me em todo o teu sentido. Ainda não te sei manhã...
Quando a cidade me despenteia, a madrugada me abraça e o corpo larga pela calçada
Pequenos traços de magoa, pequenos restos de lagrimas,
Não ficam desejos, nem se deixam sentidos, somos de onde estamos.

Em Lisboa não morro mas espero,
Até a cidade me despentear,
Até a tua mão me deixar.

domingo, 10 de novembro de 2013

Quebramos os Dois

Sou eu a ficar porque não sei partir e tu a ficares ao saberes partir, indo devagar para a distância imprecisa, não somos mais as crianças de ontem, eu a convencer que gostas e tu a dizer que não, tu a dançar pelas ruas de alegria e eu a esconder os olhos numa palma suada de medo, eu a afirmar que não se diz e tu a gritares a plenos pulmões que as palavras são dos homens e eles os donos dos seus ouvidos.
Quebramos os dois.
Eu desviava os olhos para não sentir a verdade, tu calavas na palavra a mentira, eu fugia do toque ao saber que me despia, tu a aproximares sabendo que a roupa na pele não é nada, o desejo é maior que as roupas, tu vinhas de manhã e eu queria a noite, tu sorrias e eu sonhava, em todos os dias, em todos os lugares...
Eu tirava-te os sonhos e tu criavas realidades, eu contava histórias e tu atavas cada uma, rezava para que ficasses, tu rezavas para que desaparecesses e ficavas enquanto saías, e quando partias não te tocava, não ficavas, só ias e contigo foi tanto.

Afinal, quebramos os dois, como crianças perdidas num choro compulsivo, é pecado que se deixe, é pecado não deixar,
Quebramos os dois afinal.

Depois do silêncio A madrugada

Depois do silêncio, o vazio, o inócuo profânico sentimento de voltarmos ao início, onde tudo começou, que tudo?, não faço a mínima ideias racional de que nome dar a isto, onde se encaixará no campo dos conceitos. Que sentimento inútil cabe ali, que palavra oca encaixa melhor, se adapta aos contornos obtusos disto... Porque raio existem palavras?, elas são aquilo que nós queremos que elas sejam. Se eu quiser, no alto cume da ignorância dos loucos, apelidar madrugada como o silêncio espelhado na ausência, a solidão inerente à ausência dos outros, estarei errado? Sou o meu dicionário senhores... Não me baseio em obras de outros, a minha bibliografia é o mundo inteiro e dele as sensações subjectivas apreendidas por mim, apenas isso, não é tanto?
O que faz este silêncio? Sede. Sede. Sede. Demasiada sede para a água que existe no mundo, um extremar de sensações plácidas que não se revêm na realidade dos homens, um querer altivo demasiado grande para sobreviver aos dias, um olhar demasiado perdido para te ver, estar morto ao querer viver tudo um pouco, não podemos, não devemos ter demasiada sede ou arriscamos perder-nos nos desertos da vida em busca de oásis que nem existem em sonhos.
Nada aqui faz barulho agora, não reside a mínima sensação de despertar, nem o som de um piano, nem um cheiro leve, nem mesmo o bater das ondas nas rochas altas da manhã me faz prender aqui. só no silêncio longínquo da madrugada poderei deixar a sede da humanidade. Aqui faz-se silêncio e eu tenho demasiado desejo da cidade para aqui ficar.
Irei perder-me até perder em mim a sede que não passa, encontrar um fogo calmo, sustentado, que me embrace na madrugada e me arranque dela aos pedaços corpóreos das sensações sonhadas.

Depois do silêncio a madrugada, talvez um dia me torne manhã!

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Torga

"—Mas porque não deixa você de escrever durante uma temporada, para descansar? — perguntava-me hoje alguém. — Porque era a mesma coisa que um crente deixar de rezar um mês ou dois, por higiene." Miguel Torga

Se nos quedássemos no mundo das ideias, onde os corpos so se corrompem por palavras, ficaríamos sempre longe da alma que nos afaga. Apenas na distancia imprecisa das modalidades impróprias nos pudemos, nos criaturas da carne, construir sacrilégios maiores para tempos diminutos, onde possamos deixar marcas tão grandes como silêncios e vastidões tão grandes como o vazio.
É isto que nos impulsiona, a sede dos homens que vivem segundos, não os dias, não os meses, mas cada segundo condensado na brisa das arvores, cada instante com o sabor adocicado do medo, intensamente tudo no pequeno intervalo dos instantes.
Com isto pergunto se te quero encontrar, sei que se me quiseres estarei longe daqui, perto do mar, onde todos os instantes são vida e todos os momentos solidão, nas aguas do mundo e na sede dos homens.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Em três tempos de céu

Apartam-me os olhos para longe, mais um dia que se perdeu, fecho o baralho e guardo-o no bolso, não quero ver que tudo é maior aqui quando estás, não quero ver o sol que transpira de chuva por todas as nuvens que me pairam, o tempo passa e eu fugi. Aqui está frio demais para mim. O tempo dos silêncios ficou longe, onde se guardam as pequenas memórias, numa pequena caixa de segredos guardada num sótão.
Não sei largar mas também não sei dizer mais. Rasga esta escuridão latente em mim, abre tudo o que é nosso e deixa brilhar.
Tudo o que é meu, não sei largar, não sei perder, quero continuar eternamente à chuva a jogar, lavado na água, transpirando dor, o último a cair não vai perder, o último a cair não vai sentir.
Aqui, longe, há um espaço enorme à tua espera, basta vires jogar.

Há um dia em que todos os homens lutam, em que se enchem de sangue nos olhos e se revoltam pela humanidade que se perdeu. Há nesse dia uma nova raça que se ergue, sabendo que perdeu no tempo toda a razão de existir, deixou na margem todas as formas de luar. É o tempo dos chacais, onde espreita na noite a maldade, a injúria e um nojo de tudo, apenas tudo, desta escravidão reles que nos prende às coisas sem passar. É o tempo da ameaça, onde os homens se fazem deuses ou poetas, deuses altivos, morbidamente cansados e estupidamente poderosos, poetas tristes, sós, pelas multidões apagadas esperando por uma luz que só deles pode vir.
Esta é a noite em que os homens se transformam.
Este é o futuro daqueles que não choram.

"Nós somos, existimos" em cada pequena gota que escorre pelo corrimão e em cada mão que procura outra, no momento em que o olhar se cruza e o coração bate mais forte, existimos, onde nas ruas criamos o silêncio das coisas e nas fontes a água que vem na nascente, existimos, pelos comboios que perdemos e risos que soltámos, nas violentas horas que nos perdemos e nos suspiros juntos que partilhámos, nós somos, existimos.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Movimento

Os carros andam, as pessoas correm para os seus afazeres, nada nesta cidade está parada há espera que aconteça mas igualmente ninguém faz nada para se fazer acontecer. Este movimento perpétuo de semblante triste e olhar machucado não é nada mais que um engano perene de utilidade, um milagre inútil dos que há aí em adivinhos e aspirações espirituais, de nada nos serve mover senão o fizermos para o lado certo.
Deixemos os cães ladrarem aos parados da vida. Rotos e sujos, poeirentos de teias por estarem demasiado tempo à espera de terem tempo ou de simplesmente alcançarem mais que o sonho, além do espectro iluminado. Eles que se fiquem no barulho, nós vamos continuar. Parnaciosos e cientes que quem nos ladra se mexe sem criar, se cria sem fazer e, pior, vive sem sonhar e dorme para continuar.
Aqui vive-se de sonhos, uns inúteis, outros utópicos, mas eternamente patentes no olhar de quem vê.
Aqui dorme-se com sonhos, abraçando e contornando cada corpo sonhado numa elegia sangrenta de sorrisos macabros, não maliciosos, de gozar nos momentos a eternidade das vidas dos outros.
O nosso movimento é controlado, não pelo mundo mas pelo sonho.

O nosso movimento não é maior, simplesmente é nosso e tem tanta mais sede do que aqueles que não bebem.

sábado, 12 de outubro de 2013

Não Há


Não há respostas certas nem momentos planeados, planear é falhar à partida no que se quer acertar no fim, ter no papel ou na mente o que se quer é perder tempo sem se fazer o que se deseja. Acabar feliz?, quem quer de todo acabar por si só, ir, ao poucos, perdendo a desumanidade que nos resta pelos cantos ocultos dos sonhos não realizados e, com o tempo, somar verdade a nós, não anos, não momentos, por si só verdades, pequenos traços de rostos que nos ficam e outros tantos que se apagam, sem qualquer resquício mesquinho ou trama maior na alma, apenas a verdade, per si, apenas marcas e não grandes sonhos ou elevações supersticiosas. Podemos todos acabar bem, só espero não acabar de todo. Ter sempre no novo dia a esperança de ser, não feliz, não triste, não sentimental e muito menos saudosista, negar todo e qualquer sentimento num cuspo matinal e ignorar pelos dias os momentos, ser pelas ruas o que for, sem nada mais, cegar ao termo do dia sem medo de me findar pois continua na noite as alvoradas que não vieram na manhã.
Não há percursos certos, conheço apenas os errados e desses muitas são as vezes que lá esgueiramos os cheiros e semeamos tempo, neles ganhamos a loucura eventual, quiçá condutora do percurso a casa, quiçá a perdição natural que nos afasta nos animais e nos aproxima dos bichos selvagens que dizemos não ser.
Da civilização a palavra, a ela o ser.
Não haverão respostas certas, nem sei se respostas, apenas dias, só momentos e desses saboreio-os todos como uma criança saboreia um chocolate, calma, percamos no tempo o que ganhámos na alma.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sorrir Sem Sentido

O sorriso é sem sentido e não por isso menos útil, não é por si menos genuíno. Se sobrasse em instâncias metafísicas o que de genuíno se pauta num sorriso sem sentido, subjaria na imensidão do conhecimento o bom-senso básico da idiotice, da ausência absurda de razão nas pequenas maravilhas mundanas. Não existe força física ou teoria biológica que alicerce a magnificência do movimento muscular involuntário  seguido de um brilho estrelar nos olhos, não são estrelas, sei, mas luzem de tal forma que é como se de estrelas se tratasse.
Não são bichos que nos invadem o cérebro e muitos menos a inteligência fugaz do momento, simplesmente nutre-se um desejo de sorrir, sem sentido, sem razão, sem causa, porque dos sorrisos mais puros nascem pequenos rastos de felicidade.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Civilização

A cidade tem pântanos que não se vêem, em algumas esquinas onde pautam cafés residem fumacentas pessoas, Não obrigado, passe bem, e pela distância tecemos obsessivamente a necessidade de estar só, desligar o carro e correr descalço, viver do ar que temos e faltar à vida, transcendendo tudo e todos, a senhora do café e o rapaz da portagem, não preciso deles. O rapaz amarelo e desgrenhado estende a mão e convida a sair, a ir para longe, rápido e doente, nas nossas maneiras desligamos o motor do carro, os criados tornam-se indisciplinados.
Viver na cidade é ter-se pautado na miséria da mente os versículos viscosos e ardilentos que deus ou alguém aqui perdeu, esboçou neste pântano as maiores idiossincrasias, não viveriam em outro lugar, vendo este espectáculo há que agradecer quando estamos sós e na distância dos outros, faltando à vida dos outros, é cumprida na nossa o desejo de ser sede.

Cacos

Parti o vidro, sim, quem esperava que alguém que se pauta pela calma da vida e a pureza das cosias fosse capaz de, num gesto rápido e nada trémulo, segurar o punho com a exactidão cirúrgica dos que padecem de experiência em actos violentos, e usurpar das leis da física atentando contra  vidro neste único e simples movimento. Um arco exacto, exímio, descrevendo no fim um vector alinhado com o mundo, indo de encontro ao centro do espelho onde me via. Não me via, não podia ser eu aquele vegetal morto sem cor, uma mera sombra do que um dia tinha sido o sorrir, não sei o que se reflectia ali, só espero não ser eu.
Chegando ao êxtase do momento senti o quebrar, aquele barulho trémulo e balbuciante que se propaga num infinito contemplante, com a queda dos cacos de forma rápida e desgovernada vi nasce o sangue no meu punho, distante dos olhos e de todo o meu corpo. Não tinha corpo naquele momento, via-me na distância, ou não me via de todo.
Não sei que se passou, se tive neste instante toda a vida que tinha concentrada num gesto ou se nesse mesmo gesto perdi toda a vida que tinha até ali, continuava a sangrar, se a minha existência nesta noite se deixa definir pela loucura que me assombra e me faz vislumbrar os cacos no chão como um total esforço, um completo trabalho, ou apenas pelo sangue que misturado com as lágrimas beijando o chão aos salpicos, translúcidas nos pequenos espelhos que criei.
O resultado de partir a imagem é que agora, os meus dois olhos vermelhos se deslumbraram com mil cópias suas em todos os pequenos cantos sujos deste espaço. Não quero olhar, não me posso ver, hoje a noite é minha e a escuridão a voz com que falo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Ponte

Estamos em lados opostos do mesmo adeus, em distâncias longínquas de um mesmo caminho, cruzado, surdo, em silêncio. Na ponte nada se passa senão o mar, senão o tempo e toda a margem que nos chama para perto. A minha e a tua. Cada passo pesa no corpo, movemos ilhas de gente cada vez que, com uma respiração mais profunda, nos distanciamos um do outro, mais perto da nossa margem...
Preciso que desenhes em gestos o que pintas em imagens.
Preciso que grites com actos o que fazes com as palavras.
Devíamos ter apertado as mãos sempre que víamos o mar, esperando que com o sol se pusesse de vez a distância e este caminho de voltar não fosse de passos mas de silêncios, aqueles nossos, onde os olhos se tocam no horizonte próximo e nos regamos com sorrisos.
Mais perto da margem, mais longe de nós.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sinto-me tentado a usurpar da sua opinião e conjurar um ritmo comum de necessidade que embora extrínseca se leveda na alma e se cospe pelos sentidos numa conjectura incessante de vozes ao silêncio.
Não no longe onde se aparta o barulho, onde as árvores crescem hirtas à força dos ventos do norte, onde o mar reluz o sol numa panóplia azul de tons infinitos, nossos, Não lá onde podemos não nos encontrar, onde não nos conseguiremos perder mais longe, não lá.
Não aqui, onde a cidade nos embraça que nem útero nefasto à propagação humana, veneno circundante de uma cidade morta de gente viva, em mero embaraço de actividades, no trânsito, no trabalho, correndo sem correr pois correr é desejar o infinito é querer estar noutro sítio, não noutra morte.
Sabemos então que não é no sítio onde nos virmos mas nos olhos onde nos perdemos que reside a tortura do infinito.

domingo, 29 de setembro de 2013

Sou igual aos meus sentidos

Se a noite se me vê escuro, num genocídico breu de tempos que se repetem se se repetir, quando a noite não se inquieta e as manhãs não nos deixam ouvir, Não oiço o teu cansaço, não sei o teu sentir, perdi na aurora do infinito as ondas em que tu refletias o sorriso que me olhava de esperança. A noite gosta de mim....
Se pedir ao tempo e ao mundo autorização quiçá de viver mais longo de ser mais perto do que o já vivido, de voltar a novas manhãs, não as mesmas, se tudo isto fosse um grito, fecharia os olhos e veria o futuro novo lançado das mãos inocentes que se entrelaçam ao luar. A noite gosta de mim...
Se me sentar no chão da rua, limpidamente cinzento de pedra já usada, esperando que um dia te sentes também e que esse dia seja meu, seja teu, seja o agora, um instante repetido, o teu som com o meu, a tua alma na minha, o tempo igual ao espaço. A noite gosta de mim...

Esperemos pela manhã que a noite já se perdeu em silêncio.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Como o antigamente das estrelas

Caí o frio na cidade em pleno verão, a memória das coisas sem idade aquece-nos a alma, percorrendo as veias como uma injecção clara de calor, de alegria de espanto surdido num tempo em que os homens vivem sós. O nosso olhar verde como a natureza de Cesário cai apodrecido como as estações, endurecido pelo tempo que viu passar rápido demais e pelas ervas cortadas sem sentido, demasiados relógios sem tempo, demasiado veneno na madrugada. Apenas e só o caminho sem caminhantes, indo longínquos para sítio algum. Não é verdade tanto tampo longínquo, tanto fumo sem sentido, tanta roupa despida sem razão. As nossas madrugadas erguem-se agora pelo gelo dos comboios e dos cafés quentes que já não sabem ao mesmo, perderam o travo que nos sustía no silêncio das coisas, perderam o ânimo de lutar por todas as lutas do mundo. Sabemos que não viemos ao mundo colher flores em jardins tranquilos nem silêncios em espaços fecundos. Viemos sem razão mas viemos atribulados pela mente dos que não se sossegam sós.

Sento-me antes de entrar em palco, longe dos olhos dos espectadores, ainda vejo sentada à minha beira, pessoa sem nome. Olho-me ao espelho enquanto me visto com calma, retocando as pequenas rugas da minha roupa, compondo os cabelos já grisalhos, fiquei a ver aquela imagem já enrugada, onde as mãos já pesam e os ombros já atrofiam a postura. Não era cenário, não tinha cortina, estava demasiado despido de luta para saber gritar. A orquestra entoava os primeiros acordes calmos, o primeiro acto entoava-se em poucas palavras sem raiva, a minha canção sou só eu, não é este o meu espectáculo.
Quando eu voltar, o pano descer, as palmas surgirem, voltarei aqui ao meu camarim, voltarei à minha saudade, quando me despintar e perder no chão as roupas que não são a minha verdade.
Fujo de mim. Tu não estás lá.
Como o antigamente de todas as estrelas, brilham mais quando brilham os olhos de quem as vêem.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Incompleto

Queres concordar comigo, sozinhos aqui, nem tudo o que queremos é tudo o que precisamos?, Sabes que me quero perder na paisagem sem fim, numa melodia triste que um dia tu possas compor sem eu saber, perder-me-ia em cada tecla do piano, desenhando cada símbolo nas linhas direitas em que me desconstróis. Finalmente acredito, ter o peso nas costas do som, saber que precisamos de ser tentados a mais, tentados a perder pequenos pedaços de nós, criando espaço para outros novos se seguirem, construindo em nós mesmos novos sons, novas ultrajantes realidades, novos recomeços seguidos de eternos fins.
Não é tarde para te sentires incompleto, para desejares o mundo e lutares pelo teu, não há dinastia que resista à estabilidade nem subsista sem mudança, a realidade é uma mera modificação constrangida ao sonho dos homens que a fazem, incompletos, inconsiderados, inconsistentes, curiosos... terreno fértil sem fim em pessoas que se findam sem terminar

Até ao mar

Perder as rugas que nos trazem pedaços de alma em cada fortificação alheia, em cada cotorno deste corpo gasto, desgastado pela areia do tempo e pelos testes do destino. Irias até ao fim para perder o que não quiseste ganhar, esquecerias a vida sem remorso e sem saudade?
Quisesses ser rio só e irias até onde por um momento de gozo ou uma corrente mais forte onde sentisses cada brisa como um épico momento de dor, uma contracção extenuante do corpo, um prazer totalitário de quem sente mais, de quem sente melhor. Desespero dos corpos, faltas das almas, não olhes oara trás, continua em frente, desiste do tempo, desiste das pontes, nada e corre, sem perder mais que tudo, sem esquecer menos que nada, vai longe, corre, vai longe, não pares, percorre os sítios recônditos dos outros até encontrares aquele que te pertence.
Não pares até encontrares o fim do mar, o término do horizonte e a expansão dos corpos. Irias até lá se soubesses que não te irias encontrar?
Sentes, amas, vives de novo?
Irias mais longe se soubesses que não há fim? Se soubesses que vazio serias mais forte, quem sem ti serias mais?
Irias mais longe se soubesses que afinal te perdeste no início?

Sem pé II

Há nela um sossego irrequieto de quem não quer pensar, apenas fluir pelas manhas do tempo caindo nos interstícios uma e outra vez, roçando se vagarosamente no mundo, numa ataraxia fluida, uma espécie de paz, um toque de pranto, saber ser pela eternidade o que a eternidade souber que ela é.
Perdeu-se ali sem se aperceber, ainda há pouco reluzia no Tejo as imagens esvoaçantes do seu vestido em contraluz com um sol ja gasto pela tinta vermelha ocre da ponte que nos leva além margem. Sabia de si própria um estranho sentimento de quem corria contra algo ou para longe de alguém, uma brunirão espiritual que não lhe revirava os olhos, não lhe aquecia o espirito nem levantava mágoa, Sou saudade, disse e ninguém ouviu, Sou esperança, gritou e ninguém escutou, Sou o vazio da existência, e a existência desapareceu com ela.
Largou o que aí vinha sem esperar que algo viesse, turbilhou se no seu proprio corpo, tornando se um estranho espectro de escuridão, uma vagão de carvão prestes a carburar pelo fogos eternos do ser. Contudo, nada foi mais que uma pequena dose de sonho num pouco espaco de corpo, uma pequena luz brilhante saia dela pela pele, ninguém viu, apenas ela, somente os seus olhos vislumbravam, a luz do sol nasce em cada um, em cada noite, em cada segredo guardado.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O mundo são portas por abrir

A minha casa é só portas pelas paredes, nem um pequeno rasgo de luz nela entra, não se ouvem miragens de vidas nem subsiste nela a voz dos outros. Há em mim o desejo de fechar do mundo o proprio mundo que criei. Um fracasso. Um dia, depois de encher o estômago com iguarias mil, olhei para o fundo da rua, deslumbrando com a quebra do olhar quem comigo ia, que o nosso transporte se ia também. Falhamos a vida, Já li isto noutro tempo. E com ela falhamos tudo o que havia a falhar. Não criamos um mundo nem conseguimos melhor este que nos habita, incapazes de abrir janelas, fechamos portas e criamos vazios em espaços que ja ninguém habitava. Com isto deixá-mo nos seduzir pelo silencio até que perdemos a voz que nos deixava gritar.
Leva com o vento o resto de mim, pequenos farrapos de poder, pequenas trocas entre mim e eu, nunca ficando mais que nada, nunca perdendo algo que não tudo.

Pelas portas ouve se o vento de fora, os carros que passam e as pessoas que nascem, dentro delas existo, mentira, subsiste, vegeta, principia no fim de si mesmo, um ser que não sei quem é. Como janelas não as há fiquemos pela curiosidade de quem um dia diz que ouviu dizer de alguém que não conseguia ver, que ali entrara alguém, simplesmente por ali havia ficado.
Não se sabe quanto, não se sabe porquanto, apenas reza a história que falhado da vida se entornou nas portas, esperando contudo um dia ter forças para nelas criar labaredas e enchentes de fogo nos céus do mundo, esperando contudo um dia ser sonho mais forte que este que perdeu a força de sonhar.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Os Bichos

Deixa me no silencio das escadas onde nada se mira senão o proprio silencio contorcendo se de pasmos dolorosos a cada volta que torce sobre si mesmo. Passam por mim baratas rastejando nas cadas de Madeira pútrida onde me sento, bichos de nojo, repugnos da decadência humanista em que caimos no dia em que nos pariram, raivas milagrosas de um santo que mal via, pequenas almas de alguém que só voa se partir a asa de outro bicho que tal.
Comem se inteiros noutro canto, uma aranha gorda outra mais pequena, indefeso, sem armas, sem voz que pedisse, Acudam que não posso mais, sem mesmo os braços que não esperneiam pelo ar como bastões loucos ao vento, come e deixa se ser comido ao entrar nas entranhas de quem comeu, deixa se ir porque sabe que o seu tempo morreu.
Noutro dia que não esta, residiam aqui duas rolas, pequenos bichos barulhentos que esvoaçam o pó pelo ar, pequenos espanadores sem tino ou controlo, inquietas, parecendo sempr escalar uma com a outra, vizinhas apostólicas da eterna Lisboa sem assunto extra senão os assuntos nos outros. Um dia, juro que um dia, ouvi, e juro que ouvi com os ouvidos que me não deram, sussurarem em altos modos que a rola do quinto esquerdo tinha caído de um telhado empurrada pelo marido que batia de aflição por ter sido apanhado a voar com mais que um pássaro na mão, de uma vez, a pobre coitada desviou o olhar e caso não fosse caso de criar vasos na rua do outo, partilhou se a dor com a asa partida e toda a garret assistiu calada ao esforço inútil de cair de pé.
Por fim, no castanheiro do bar do Carlos reside um pequeno morcego cego da noite, não há milagre nem álcool que lhe encha de sangue a visão e o faça ter na cara as vistas de fumo que lhe entram no pulmão.

Fosse Lisboa so zoológico e residiríamos  em paz nas jaulas do mundo, zoológico ja o é, jaulas ainda as não tem.

Ninguém disse

Ninguém disse que seria fácil olhar o sol de frente ou boiar em aguas pouco profundas sem marcar as gostas com o grosso arranhão de quem por baixo imóvel se vê sedento de sangue, ninguém disse que seria fácil inventar o luar quando nós mesmos perdemos toda a luz, ninguém disse que nos perderíamos se um dia nos quiséssemos encontrar.
E agora se partirmos cada um para sua parte nunca saberemos o que um dia podia ter nascido, sabemos apenas que de quimeras nao se faz historia e que a luz nao reside em nós, seres da escuridão. 

Voltamos ao inicio, cada um consigo mesmo e a solidão com todos nós...

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sem pé I

Perdi demasiado tempo, gritou aquela alma lá do fundo vestida de vermelho brilhante, sedoso, tipicamente trabucado, iria longe, não sei, mas levava me cosigo para o mesmo sítio onde desalmam os corpos sedentos de vazio, Não sentem isto também, não?, aquela mulher não se calava, se pudesse agarrava com os próprios dedos a alma e despia das roupas que tivesse tatuando o corpo de tudo o que sentia. Começou a correr. Eu corri. Aquela imagem perto do cais quebraria muitos ecos descontraídos, duas pessoas velozmente separadas corriam para nenhures com a intensidade de quem descobre países em cada esquina e cria mundos em cada passo largo, o tempo nao mente nestes casos, o aviso era o ultimo e a corrida a primeira de todas elas.
Há que ir mais longe, mais rápido, fugir a percariedade prolixa da rede humana que nos compreende entre dois tectos, o que somos e o que verdadeiramente pudemos ser. Se nos víssemos ao espelho naquele momento estaríamos transparentes, sem qualquer humanidade que se pudesse reflectir em peças trabalhadas pelo homem. Fica mais perto. Que norte, não queríamos o norte, queríamos o caminho e como nunca o encontramos corremos em busca, nao do caminho, mas do horizonte sem fim, onde juntos pudéssemos ser mais, onde juntos nos calaríamos nas palavras. Sem sentimentos. Sem a razão. Verdadeiramente vazios, prontos para beber no mundo a sede das florestas e o voo livre dos oceanos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Mãos Abertas

De todas as circunstancias vulgares não nos resta memória nem mesmo sede de algo, não obstem em nós o momento de recordação, esquecemos de ouvir aquele som, passageiro, ido no vento como uma emoção vazia, um torpedo de nada que se lança no vácuo. Perdemos assim fragmentos da alma, pedaços circunscritos de nós que nos deixam no ar, levando e dançando ao vento.
Abre as mãos, vê nelas cada traço perdido, cada linha entorpecida e erodida pelo tempo, sente cada calo e cada dor que por aí passou, cala em silencio messe momento. Traz contigo a saudade do tempo em que eras criança e, com exactamente os meus sulcos calcificados em cada mãos, brilhavas com o olhar perante o vislumbre do poder das tuas pequenas mãos salvadoras de luas e criadoras de castelos, objectos totipotentes de criação divina.

Hoje nada mais são que um rasto vazio do deserto em que nos tornámos.
Pequena recordação do tempo que perdemos sempre que perdemos tempo.


Maresia

Reza no mar que as palavras nos beijam, torturando os nossos doces lábios com o sal de muitas esperanças vãs, circundando cada porção de carne de um desejo loucamente ardente de desgosto, de colorir a sede com cores vivas e cobrir de tectos os oceanos do mundo, só para poder, só por poder, escrever em cada Madeira, torturar cada distracção das tábuas e cada papel abandonado, os silêncios que nos vêem abraçar contra o mundo. 
Caso um dia consigamos transpor em risos os olhos que nos tocam, circunscrevendo com letras reveladas o toque que não vem, nas noites que brilhas, elevemos a lua a eterna criança que há em nós.
Neste pequeno mar sem sim onde me cruzo, as ondas vêem de longe, profundas, decalcadas na areia em cilindros estáticos, queria aqui ser como vós, vir de longe rodando imenso, debruçando sobre o mundo toda a alma imensa que não a tenho. Perder a humildade dos audazes, fazer tsunamis pelo mundo, rir na solidão e desprezar a maresia com ar de quem hirto se aguenta ao vento.
Hoje não! No fim do dia perdemos na forca a distancia imprecisa do luar, as palavras ganha, novos contornos e o preto ganha escuridão. Enquanto o mar toca nas pedras roliças que o assistem, vejo no seu reflexo que não me vejo, não tem rosto o sol que não brilha.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sonhos dos Outros

Há quem viva consigo na esperança irreduta de chegar à altura dos deuses, esperando uma panaceia inglória de vastas palmas e olhos sôfregos de admiração, uma perdição celestial de quem nutre vazios por dentro, incalculando miraculosamente com souvenirs estrangeiros ou estados de espírito simplesmente passageiros. Os sonhos dos outros a nós nos dizem nada, a podridão de quem passa só nos deixa miragem a quem fica. Pela noite dos audazes caminhemos desinteressados esperando que pela aurora nos seja entregue não a glória, não o céu, mas simplesmente sede, mas simplesmente fome, mas simplesmente esta angústia de querer, algo que nos faça simplesmente sentir. Não precisamos de ir além nem de sonhar o que não nos pertence, deixemos ir o comboio e passeamos descalços por cada pedra rolante, ferindo a cada passo uma existência que não se queima jamais.
Deixemos os outros sonhar enquanto os nossos sonhos não cabem na noite,
Serão sempre eternas manhãs de luz.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Nada de mim me sobra

Depois de despido da razão imensa glorificadora de distancias longínquas e desencontros perenes, morre se de sonhos numa solidão grave, destruidora, que nos perpetua num espaço oco e vazio circundados de morte e desejos por cumprir, depois de me tirada a razão nada me sobra, nem lamentos, nem murmúrios vagos, vazio de desejos crepitantes e margens por cumprir. É teu também este vazio, de ti só me ficam lembranças em sopros de vento que me trucidam em cada segundo, agonizantemente trespassado pelo vento do norte.
Seguidamente de nos tirada a razão e de constatarmos a lucidez que sem ela nos invade, desejamos um novo espaço, cansado, com palavras, com desejo, com o fumo dos bares onde nos sentamos e as mesas que nos ouviram inundar de espasmos os pequenos gestos que nos traziam a madrugada. Por nós lançada na estrada, pequena, desamparada, desencantada de génios mais altos mas que mesmo assim brilhava sem ninguém ver, só nós que sabemos gritar de dor.
Entrelacemos as mãos, inocentes criaturas da noite, saibamos que nesta cidade fomos loucura, fomos espaço cumprido e sonhos de lume ardente onde tantas vezes os corpos de confundiram em chamas escarlates alcançando o céu em nevoeiros e neblinas. Chegamos mais além, sabe os que ainda iremos rasgar a solidão que nos fixa extinta a madrugada, mais longe, sem nunca esquecer o latente desejo de nos perdermos juntos.
O penúltimo estagio, estagnar a bonança do povo orgulhoso e saudosista, vencidos de guerra e soletradores de mortes, eternos escravos da bonança, jamais idos nas viagens do tempo pois estão estancados em mundos novos que já não os há. Aqui perde se a esperança de ter sangue para ferir, de ter rasgos na pele que testemunhem a luta. Somos ar e temos fome de voltar onde os corpos de principiam, atrás das nuvens dos deuses, além no mar perfeito.
Por fim, pelo medo e pela bondade, nos chega a manhã. Contra o tédio e a poesia, nascemos juntos, pela liberdade, criada a claridade de toda a nossa verdade, sabemos dizer sim, sabemos sair juntos da maré cheia, fragilmente renascidos por dentro.
Já não há o desencanto, lutamos contra o medo e a anarquia, contra a opressão e o milagre, sabemos que mais que a razão temos todas as manhas da vida para renascer e dizer sim!


terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nocturno I


Estava escuro quando saí do trabalho, laça pelo cansaço de horas programadas a rigor científico num escritório sujo e desbarato, com um inianável cheiro a moço que inundava de suor quente e de noites de insónias. Inquietamente pisei a calçada que me levava ao eléctrico com destino ao meu porto seguro e isolado, morbidamente habitado por um gato que de tão pouco miar me compreendia as vísceras frias das noites que partilhávamos sozinhos. Os meus passos ecoavam com os de outro alguém, ao mesmo ritmo compadecendo nos mesmos instantes, que nem relógios atómicos programados para reluzir ao mesmo instante, criando eternamente no futuro, um similar presente. Um pâncio absorveu-me. Não um pânico de girtos e contorcimentos corporais, mas uma onde de mágoa e de lágrimas que me fizeram temer por cada instante, em cada inspiração mais pesada e cada passo menos hirto. Placidamente segui o meu caminho, agarrando a mala junto ao coração, só ele me protege, passaram por mim, sem mais ninguém as ver, todas as pessoas que dali me poderiam levar. Vi os sorrisos da minha infância, onde na pequena aldeia onde habitava me traziam água e me davam felicidade.
Aproximou-se. Os passos tornaram-se mais lentos...compassados... Parei e desisti... Não me sabia a nada o ar, não me enchia em nada cada toque terno que me davas, não era mais nada senão um corpo vazio, um cadáver podre, proscrito pelo tempo, vagueando ensamble pelas noites esperando ver em cada manhã um sol que nunca veio. Que sentido nos fica quando os nossos se perdem na noite?
Abri os olhos pela última vez e apertei-os forte abraçando as pálpebras cometendo o crime de ousar desistir enquanto os passos paravam ao mesmo tempo que eu, enquanto a respiração se quedava ao mesmo tempo que a minha, ao mesmo tempo que a lua sombreava o mesmo rosto que o meu numa montra velha de uma livraria já feita história. Aí vi, o meu grande perseguidor sou eu mesmo, eternamente sozinho comigo pelas ruas de Lisboa até um dia desaguar no teu cais.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

De mochilas vazias se criam viagens

As viagens que criamos, por pouco longe que fossem, saudavam nas vistas a infinita miragem do progresso, uma ideia de crescendo espiritual que nos remetia para uma nova era, onde os corpos era receptáculos recíprocos, interagindo com o mundo da mesma forma que ele os integrava na sua constância plácida.
Quando tudo pára, começa, em edifícios com espaços verdes, onde gritos nos evocavam, Nós não ligávamos, demasiado dentro do mundo para os ouvir, e juntos partilhámos o olhar aceso de quem incendeia de pensamento com a força da interrogação perplexa. Que a gente alta, pasmada de cegueira branca, trucidada em correntes de aço, presa pelo tempo gasto dos navegadores, passe por baixo de todo o nosso desprezo enquanto juntos gritamos ao vento que somos livres. Era a nossa maneira de sermos juntos, apenas, paralelamente estranhos, vendo como quem olha para a eterna novidade as novas terras da nova era, aí, esperas até ao fim para dizer adeus? Naquele tempo a viagem tornava-nos iguais, nem os sonhos descontíguos, nem as vozes roucas nos rogavam pragas de longe, era uma nova inocência, sabida, corajosa, ousada e livre, mas com o espírito suficientemente infantil para se deixar consagrar na virtuosa beleza da natureza e do pensamento que dela flui, pois da nossa mente luzia uma eterna luz que nos impelia em frente, sem direcção definida nem pressas de tempo, indo, sem saber porquê, mas uma e outra vez nos víamos juntos em viagens que não aquelas, porque éramos mais.
Esperámos pelos momentos de solidão para dizer que as nossas mochilas estavam vazias, sempre, porque apenas nosso era o caminho, apenas da viagem vinham recordações, não precisamos de levar mais nada quando queremos trazer connosco pequenas lembranças de grandes mundos.


Não esperes pelo fim para criar começos.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Assim

O sol nasceu cedo, em terras mais longínquas o sol nasce sempre cedo e obliquo aos nossos olhos tortos de vida, entrou pelo corpo aquecendo devagar como um toque  suave surrupeando cada poro vazio, cada esperança vã, um labirinto de gente que se constrói num corpo só. Vestiu-se e saiu. O tempo estava ameno, nem próprio do sítio, nem cómodo para a gente. Suspendo o tempo porque o relógio não o havia trazido, andou pelas ruas, entrou num metro sujo e amarelo, velho, ressequido como as veias do comunismo, onde os bancos são assentos rotos, escuros, próprios de quem vai sem voltar.
Chegado ao jardim, viu em si um novo ser. Perdido naquelas árvores verdes, naqueles silêncios harmoniosos e pelos cheiros do tempo surpreendeu-se ao sentir, ao aperceber-se que tarde demais era apenas escolher, não é tarde. É cedo nas multidões.
Correu, sem parar, sem olhar para trás e enquanto correr era tudo o que lhe ficava proscrito, deliciou-se no vento o rasto do perfume, viu no vento os lábios vermelhos que empalideciam o rosto sorridente, de tez calma e mão trémula que lhe suscitava na memória um reconforto estranho de quem parte sem nunca ir, de quem fica sem nunca esquecer, um complemento estranho de quem não se completa nunca.
Perto do fim abriam-se em triângulo campos vermelhos de lembranças, oferecidos por quem ali estivera em tempos antigos, cada casal embriagava-se de solidão e deixava ali um pequeno passo para que os próximos pudessem andar. Ali, perto do fim, onde se erguia já os edifícios da civilização e os barulhos dos homens loucos do futuro, ele viu-a. Em pequenos passos incertos mas fixos, com uma estranha tendência de por mais pé do que era preciso, tecendo em redor das solas um pó próprio das cidades do tempo novo, que se asfixiam em pó para se poderem embriagar em dinheiros e luxos que tais.
Quando se aproximou teceu um leve toque no ombro esquerdo daquele vestido, entre os dois triângulos onde pautava Matisse, desenharam de longe um círculo infindável, um pequeno espaço uno, uma pequena solidão que, ali, naquele momento, se fundiu nos corpos e se fez no tempo.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Pequenos Inquietamente Frágeis

Algures longe de tudo reside um pequeno boneco de porcelana, em terras onde o sol brilha, onde o mar nasce perto e reside connosco pelos caminhos obtusos dos campos virgens e verdes, recheados de árvores e singelos bancos silenciosos onde residem pensadores de alma e filósofos do corpo. Longe de tudo há um imenso vazio de gente e uma multidão rouca e ouvidos surdos à nossa voz, aqueles cuja boca desenhada pelo contorno liso de um pincel se residem à lingua de Pessoa, aos gestos de Eça e ao criticismo amargo de Sena, a saudade do mar de Sophia, o revolucionismo esfuzeante de Ary e a rouquidão crítica de quem na chuva faz perólas sem água de Mourão-Ferreira.
De luzes e ouro se murmuram países, não deixemos a sorte com as audazes nem o silêncio para as almas penadas. Pergunta o pequeno boneco se de longe cair, alguém de perto o apanhará, com mãos suaves como aquelas que o fizeram a rir, as que contornaram um pequeno chapéu azul na sua cabeça, as mesmas mãos que lhe afagaram as lágrimas na noite.
A noite vem e traz consigo a escuridão de breu e todos os monstrengos que residem em cada um, nos resquícios de cada alma, escondido por entre portas, um figurão negro, alto, espantoso, sem uma réstea de luz ou uma imaginação dócil, sem um bom trato ou um coração saudoso. Importa esquecer, trata de lembrar que há-de passar, passar o tempo sobreerguido no vento, vendo as aves de longe, sem parar, tentar matar com porquês o que sobre de confiança, A noite é vil. Por ela, ficarás com a chuva dos dias e o frio dos desertos, com os buracos no mundo e os poços de terror, em todas as prisões mais negras, sem saber de quem, sem saber onde, sem saber, só.
Numa noite de chuva que não nesta, num país que não este, o pequeno boneco subiu à sua janela, viu uma lua tapada de lágrimas, chorando para a relva encharcada e de tez triste, rebaixada com o tempo, ele não chorou, chorar não sabe, escutou o silêncio, sentiu-se sombra de todas as sombras e uma pequena mão tocou-lhe no ombro e eternamente se viu caindo, sem nunca tocar o chão, sem nunca findar a noite, suspenso de tudo.
Viver é tão mais que estar e tão pouco lhe chega respirar.
Pudéssemos quedar juntos no mundo e ele seria a nossa casa.

domingo, 30 de junho de 2013

Distância

Enquanto o vento bate forte nos olhos, lavados em lágrimas, onde o tempo passa lento, rasgado como um ventre novo, sentimos aquele arrepio que só se sente longe, que só se sente ausente, que só se sente só. Podemos estar longe no tempo quando perdemos o momento de tornar eterna a vida num segundo. Podemos estar longe na distância, sabendo que as nossas lágrimas são uníssonas com as de quem nos quer. Perdemos a casa porque somos do mundo e ele não nos chega por ser grande demais, e ele não nos basta porque não o podemos agarrar, sentir, abraçar, tornar nosso aquele corpo, possuir de afectos até cessar o tempo.
Com um pouco de engenho podemos inventar formas de queimar a chama da saudade, latente, até que de novo nos vejamos.
Porque só quero que se retorne na memória que vos quero bem, que vos gosto, muito, sempre, meus.

Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai

Fica no sangue o peso de ser português e de não estar em casa em sítio algum que não o nosso, com quem queremos bem, com quem nos quer bem.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Um Chapéu à Chuva

Por baixo da chuva, cabisbaixos com o medíocore receio de nos molharmos, como gente civilizada e enxuta, seca por completo, num misto sem sabor de ataraxia pura, um suspenso oco, quiçá delirante, que nos impela para a frente, sem sentido, sem vagar, sem força. Não temos casa. Não temos gente. Não temos mais nada senão a chuva que nos reveste de vazio, que rompe a solidão com o mundo e nos afasta dos demais.
Em círculos estritos, ando pelo passeio, à espera que um chapéu se cruze com o meu, não mais que isso, um simples desejo infantil de ver desenhado um sorriso em cada um dos chapéus, um lapso futurista de sentir neles a alma de quem os carrega. Um sorri com a força do sucesso, enumerando vértices vertiginosos de pura pujança, uma verdadeira luz sobre o céu negro e as luzes foscas. Outro produz lágrimas a um ritmo superior ao da chuva, triste, vazio, perdeu-se no sentido da sua existência, poderá um chapéu de chuva ter a eternidade do vento?, Serei eu um pequeno gesto no meio de tantos mais, sirvo para salvar da chuva, não rio, não paro, não vejo o sol, não sinto a terra molhada enquanto chove, nunca conseguirei sentir o cheiro das mãos sujas na terra molhada enquanto chove, não poderei nunca ter em mim a sensação de sentir mais que isto.
E uma lágrima caiu, não era chuva, eu senti o peso daquela lágrima a escorrer lentamente pelo azul campestre daquele chapéu, carregando de peso cada haste por onde passava, circundando os pequenos rastos de chuva que furiosos tentavam penetrar do manto de salvamento, eu senti, e talvez por ter sentido, despertei da inércia incandescente que me possuía desde os primórdios, reacendeu-se em mim aquele ardente desejo de gritar, de quebrar a civilização, de romper com os preceitos franzinos que nos prendem às garras da não-loucura. Não partir pratos, não levantar a voz, sorrir educadamente às pessoas que passam, não disparar alarmes sem ver o incêndio ao alto, ser civilizado de gravata, E outra lágrima caiu, de sentar à mesa e usar talheres colocados a três quartos, usar fato, não quebrar silêncios nem ousar sentimentos.
A chuva pesou ainda mais pois naquele momento soube que ela não era quem me prendia ao chão, apenas eu consigo deixar no chão os sonhos, enquanto cabisbaixo espero que alguém os levante por mim, apenas eu posso prender no cimento a alma do presente, caindo no esquecimento mórbido de um futuro em sargaço. Do chapéu pendeu uma terceira lágrima, a última...
Do meio da gente endurecida, baixei o chapéu, senti então em mim a vida toda do mundo,  os calafrios da realidade por cada poro da minha pele, um cataclismo desassossegado que me tornou gente, Corri.
Empurrei gente, gritei ao vento que era Livre, saudei gente que queria ser saudade, não mais, tirei a gravata num sopro de movimentos cambaleantes mas hirtos, corri para a terra.
Deitei-me e coloquei o chapéu aberto deitado comigo e os dois ficamos ali, presenteados de chuva, sentindo a realidade toda na terra que nos sustém,
e com o olhar no céu sabemos que nele residirá sempre o futuro que nos resta, infinito.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Kyrie

Ao alto o som das preces, em coro, em uníssono, um tanto de cor que transparece pelos vitrais e os inunda de uma tez escarlate, semblante triste, e olhos no chão, alguns, aqueles que se ajoelham, largam uma pequena lagrima no regaço do povo, um pouco de sal à terra que outrora alguém edificou.
O pouco que se percebe é que não somos nada, pequenos restos do tempo, pequenos vasos ao sabor do vento, uma gota perdida no oceano, um pássaro entre tantos outros iguais.
A forca da voz não alcança o céu e poucos são os terrenos que a ouvem.
À nossa condição nos queda perder os lábios na voz e os olhos no vento, esperando algum dia ver além daquilo que se olha, poder ser alguém que fica na memória, que eternamente nos queiremos bem, que saudosamente nos despeçamos afincadamente.

domingo, 26 de maio de 2013

Longe de fora

Cai neve neste verão.
Nao estou na minha rua, muito menos no pais que me viu abrir os olhos, as viagens trazem para nos a saudade que nao sabíamos que existia. Nova Iorque enche me de saudosismo, falta nestas ruas rectilíneas e prédios beija-céu o ar tosco e latino que fechei em Lisboa, pelo menos naquilo que me sobra na memória. Fechei uma porta e deus nao me abriu já ela nenhuma e fez questão de desligar as luzes.
O sobretudo pesa, sacudo a neve e ponho as mãos nos bolsos, nao me segue ninguém embora saiba que a manada de gente que me circunda me olha com desprezo, sente no ar um leve toque Atlântico que aqui nao subsiste. Faz me falta Lisboa e tudo o que com ela vem, os gritos nas ruas, as crianças a saltar, a calcada a calcar as solas dos sapatos, onde muitas vezes um leve deslize servia de motivo para te agarrar no braço e com ar inocente disse, Desculpa escorreguei, sabias tanto como eu que senão fosse o acaso da vontade, teria escorregado de propósito.
Depois de um whisky num pequeno bar escondido num beco potrido, sigo ao hotel. Não há sono esta noite, não vejo estrelas para me entreter. Apenas um vazio, escuro, só, e comigo estava o céu cheio de nada e eu de nada cheio.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Um dia a um metro do chão

O sol jazia nos rostos húmidos dos que vieram à praça naquela tarde, suado o chão castanho, de pedra miúda  calcada pelo peso do povo, nas ruas daquele tempo, o pouco vento que soprava não levantava o pó que dormia sobre os gentis cabelos daquela gente suja. Os tempos eram outros ou somente os rostos que neles habitavam.
Subo ao palco. Calmo, hirto mas trémulo, como uma opereta italiana, com a confiança necessária para saber que quando a senhora gorda cantar, a cortina baixa e os meus olhos se restaram com o escarlate do povo, ausentes, suspensos na idade, até ao fim do suspiro, do último bafo quente.
Comigo seguem dois outros, altos e cheios, bem vestidos o suficiente para me puderem acompanhar, sim eu que estava descalço, pobre, com a roupa lavada de tempo e pó, sem um pouco de rosto menos moreno, o sol não me fez sombra em altura alguma, mas sim, é tempo de começar.
Soam os tambores, Te quero bem, mas tanto, tanto que te quero bem, é uma dor funda, que em sangue sabe que te quero bem, até ao fim, até ao fim te quero bem, Sabes, que te quero bem?. O senhor do lado deita a sua deixa, Silêncio, e em tom abundante o povo aplaude de pé, porque sentado não estava.
Eu salto.Respiro.
Rompo a gravidade fico a um metro do chão, suspenso pelas cordas do tempo, para sempre assim, com um pouco de sal nos olhos e uma vida nos lábios, Sabes que te quero bem, e nesse dia um rosto pequeno não sorriu no meio do povo pois esse rosto sabia que os pés nunca mais chegariam ao chão e como eles aqueles lábios vivos não tornariam à infantil face daquele orfão que ali se fez. Vivam aqueles que o tempo não cala.

domingo, 19 de maio de 2013

Não sentir o Ar

Perdemos o chão num segundo, quando colocamos os dois pés levemente assentes no chão, experimentando as suas particulares rugas e os seus leves contornos, esvoaçamos os braços para encontrar alguém que efectivamente já lá não está mais. Caímos ou ficamos inertemente suspensos num gap temporal que nos faz levitar, perdidos no sentimento instantâneo que nos faz rodopiar o tempo e perder o espaço a nossa volta. Tudo se contorce á nossa volta, giram imagem, tocam nos cheiros e a leveza da memória sai nos de repente e sem pedir. Num lapso cai a primeira lagrima e deis outra e com essas a leveza da magoa faz levitar as defesas e deixa ofender sob a chuva o caminho percorrido pela dor nas ruas da gravidade. Somos tão pouco no mundo que ninguém nos faz existência.
Quando vamos na rua não somos gente. Perdemos a inocência de esperar que tudo dure para sempre, que permaneçamos inertes, estáveis e duráveis nas curvas da rua e no caminho das estradas, por todos os por do sol possíveis e deslumbrando todos os ciclos intermináveis da natureza. Mas não, mas nunca, não sempre...
Quando vamos na rua não somos homens. Perdemos a forca de nos olharmos de frente com medo que os olhos tocam os que as palavras temem em enfrentar, com receio que a alma ceda num corpo já cedido à magoa das horas.
Quando vemos o tempo não somos inocentes. Quando vemos os olhos fechar, um rosto pálido e frio, eternamente encerrado na sua escuridão, perdendo o vislumbre do tempo nas rugas da eternidade, sem o suspiro dos ruídos da rua ou o traço humano do calor, do ar, do movimento simples, da empatia complexa, onde as mulheres bebem vinho e os homens fumam a mesa, resguardando os mais novos das dores do mundo, onde já foi isso que nao mó digam, estou longe demais no tempo para saber há quanto tempo fui gente dessa.
Quando encerramos uma pagina nao somos leitores.
Nao sinto o ar, nao porque ele nao o há, mas porque eu nao sou, nao por enquanto, nao no entanto.

domingo, 31 de março de 2013

Boémia (Fala de Gente Cansada)


Olha-me nos olhos e dá-me uma razão, só uma, daquelas que num segundo de compreensão nos deixa escrever estrelas e compor oceanos por aí fora, sem meias desculpas nem tratos vulgares, que desses temos multidões por aí. Na minha cabeça vejo-te a ter maus sonhos, pesadelos escuros que te levam a lençóis vazios de camas desfeitas.
Não estamos no mar, muito menos no campo, no véu da cidade escondemos os nossos rostos, numa rua movimentada onde a gente que passa não nos interessa, nem sequer nos vê - que vêm eles - nada é mau como parece, dá-me um pequeno trago de alma que possa levedar nos meus lábios e derreter-me o estômago  que me corroa por dentro e me faça parir mundos de ir além pelas palavras malcriadas que me saiam da boca.
Aproximas-te.
Um gato passa na rua, não dos pretos com olhos crepitantes, estamos de dia, dos malhados, castanhos, com um ar sôfrego mas igualmente altivo, ainda com aquele toque selvagem de quem se recusa a ser maltrato pela palavra doméstico, não há animais domésticos, só gente domesticada.
Estás demasiado perto.
Um piano toca de uma varanda não alta, trazendo pequenos ventos de civilização para uma rua suja de corpos ocos que não ascendem à humanidade porque a nada pertencem, só somos alguém se a alguém pertencermos, de forma insipidamente inútil e despretensiosa.
Noutros tempos...
Agora, as tuas mãos aproximam-se do meu rosto, deslizam vagas, calmas, oscilantes ao tom do piano, compondo as pausas ao mesmo semblante, deslizando o allegro pelos meus lábios e fazendo claves de sol nos meus olhos, predendo-os a uma obscuridade muito mais clara que a da rua, vejo-te noutros tempos, noutras roupas, em nenhumas, no tempo em que se deslizavam almas por este tempo, no tempo da Boémia.
Sinto as tuas duas mãos na minha cara, sem preceitos mais que inocentes, compondo a música triste que nos pauta, que nos vinga e nos seduz.
Acelera o piano, está no auge, é o grito, o termo apoteótico, onde o ritmo acelera a voz falha, o coro ressalva, o corpo descai, a alma sobe, a voz grita e o homem morre. Porque essas mão não são as tuas, sou eu que não me sinto jamais.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Pela escuridão das luzes


Liga-se um cigarro a conduzir a janela do carro pelo caminho da noite, com estrada mas sem caminho, o volante rodopia lento, sem calma mas igualmente sem movimentos que exijam demasiada vida aos braços cansados, um gato preto passa pelo caminho, sobrevive, sente-se a falta do destino no banco de trás, sem saber para onde ir, acende-se mais um e acelera-se a fundo, com calma, sem movimentos demais nos pés que estas pernas cansadas estão de não andar. Com isto sou um homem da estrada, sem lugar fixo onde ficar nem gente que me prenda a algum lugar, fraco, frágil, não frágil desculpe-me, fraco, sem raízes não se criam árvores fortes. Está frio, mas isso não me impele a manter a janela aberta e o fumo num vai e vem silencioso e ofegante, este é o trabalho que tenho neste momento, não pensar, não querer, não chorar, não amar, não rir, não ser, não mais, por favor, não mais. O combustível também se vai queimando, ao ritmo das ondas que batem na areia, de dia branca, recosta à estrada, numa ténue linha obtusa e oblíqua, jamais recta ou tediosa, crescendo vagamente pelas encostas a dentro, com erva de um lado e areia doutro, tento descobrir qual é o sítio do meio onde eu gostava de estar, sem o compromisso nem a fome, jamais sede, trago um bafo mais quente que os outros, quem sabe o último.
Não há luzes na estrada, não são precisas, quem por aqui andas, sem o sol, não que apogueus maiores para revirar os olhos, queremos silêncio nas ondas e movimento nas ervas, não queremos faróis de frente nem animais pela retaguarda, queremos a travessia, não mais, só passar e esperar que com esta venha a sabedoria de quem não tem um sítio onde ficar, ou um ombro onde parar, nem os cigarros se ficam neste lugar.
Neste caminho não quero descobrir quem sou, nem espero uma epifânia maior, só quero ir pela escuridão, com o brilho dos meus faróis e o cheiro a nicotina que me trás a calma que a vida me tirou, queria ver o mar uma vez mais, não sei se última pois acredito que, independente do sítio onde vá estar no fim, vou ter sempre um lugar junto do mar. Procuro saber quem preciso, parar, escutar o silêncio e estar verdadeiramente só, para saber o que é verdadeiramente ter o segredo do vazio na mágoa dos dias. Não quero ganhar, nem sei se quero sonhar, fumo outro, tudo o que quis, o que preciso não me faz dizer que sim, só me faz querer acreditar que algures noutro lugar estarei verdadeiramente calmo e consciente da luz.
Decidi dizer coisas, só pelo prazer das dizer enquanto desenho formas no ar com o fumo que me corrói os pulmões, a alma?, como se todos tivéssemos o mundo ninguém ousaria negar a existência do universo, ou simplesmente, um mundo faz-se no silêncio, falamos para por termo ao que nos sustém.
Pelas três da manhã já queria mais altas as estrelas, o fumo já lá tinha chegado, e enquanto me refugiava na areia, a cem metros do carro que luzia sombra no pequeno areal aberto nas rochas pelo mar dos antigos, onde correu sangue pelas encostas agrestes e escarpadas, feridas pelo tempo e queimadas pelos abraços que não as tiverem, onde o fumo queimou a vida e deixou este resto de lodo rochoso, sem alma que o sustenha nem razões que o perpetuem na vida, não mais, mais camadas por detrás virão e deixaram vazia a recordação daquelas escarpas serenas, pequenas crianças dormindo sobre outras, eternas substituídas pela razão do tempo, adormecidas como eu, apenas diferentes porque eu respiro e ainda tenho os olhos abertos e a minha criança de dentro não se queima pela de fora na demora do seu tempo.
Secreta e pura não é a minha passagem pela terra, asos de loucura e resteas de luz me deixam aqui, eternamente na areia, sentindo a gente certa proclamando noutros mares, em ti respiro, em ti consigo a força de novo, Não mais escuridão, Não mais luz, o silêncio me dá as cores que preciso para amanhã,
Porque as árvores morrem de pé e os homens vegetam deitados na escuridão das luzes, na eternidade do tempo.

Pela eterna margem

quinta-feira, 28 de março de 2013

Liberdade (um sentido de posse)


Engraçado como a solidão nos faz pensar o que é a nossa vida, como um momento perdido nos faz gritar quem somos?, engraçado como muitas vezes parece, no silêncio, que nunca encontraremos um sonho na nossa vida, até que sabemos que fazemos parte do mundo e por ele quebraremos montanhas e arrastaremos mares, sem ondas calmas nem ventos sombrios, parir momentos em todas as terras e criar todas as luzes das estrelas em todos os céus estrelados do mundo.
Podemos ver que chorar pelos erros, esquecer as quedas que demos na vida, ..., esqueçamos,
Engraçado como a vida nos circunda precisamente nos dias mais sombrios, onde nos suspira ao ouvido que a nossa vida não e esta, perdendo em nossas inglórias memórias os sonhos que perdemos ao longo da nossa vida, não somos parte da vida, nem eu nem o meu caminho.

Podemos ver que chorar pelos erros, esquecer as quedas que demos na vida, ..., esqueçamos,
Não tenho ontem que interesse aos outros, não quero saber de emoções perdidas, nem caminhos que nos  levam aos sítios do costume, estou aqui para fazer parte da minha viagem, no fim,

Conto as coisas a que estou agradecido e esqueço os rostos que não nos encontram no amanhã, esta é a minha forma de ser, esta é a minha cruzada, sem emoções perdidas, nem momentos de circunstância,
Deixem viver os caminhos sozinhos, nem todos precisamos de acampamentos ou paragens de autocarros,
Pela liberdade de querer andar só enquanto outros se deliciam com multidões!

Porque no amanhã criarei o meu sonho

domingo, 10 de março de 2013

Vai Valer a Pena


Partir na manhã, com o raiar do sol, ir para outras margens, começar de novo, eternamente novos, lúcidos, contando com os passos que nos tocam e os pássaros que nos ouvem, vai valer a pena.
Todas as lutas, todas as mossas, a sobrevivência ao fogo, o ter partido o vidro, o ter mudado a mesa e fechado a porta,
Pintar novas telas, com cores que conhecemos de sempre, esperando que pelas garras da manhã surjam novas formas dos fantasmas, sem as molduras que os carregam,
Perder o domínio da civilização e gritar ao vento que o fascínio da vida é longe dela,

Vai valer a pena, cada queda, cada toque de chão, cada golpe, cada fascínio,
Contar que o mundo é mais, mais longe, perder o esquecido e Ser

Ter o ontem para todos os amanhãs!

segunda-feira, 4 de março de 2013

Como quem conta uma história...

Na mesma rua só nos vemos porque a chuva passou, o tempo queima, o tempo passa, e eu não fico. Vejo-te ir, sabes que se vieres amanhã, tenho riscos de mais para ficar de quadro aqui para sempre, se ficares no mesmo deus, não há laços que se te fiquem que não os teus, devolve-me o que de mim te sobra, apenas isso e nada mais.
Andamos em voltas, na mesma rua, no mesmo tempo, há rastos demais na calçada. há corpos demais no teu, se quiseres voltar deixa-te ficar longe que aqui fica espaço para novos vintos que virão, devolve-me os laços que esses não encontro mais.

E o rio segue, um quanto indifirente ao que sonha um homem sem casa, que ao frio e à chuva subsiste sobrevive e segue, sem laços e sem tempo, Olha o sonho onde ficou, tão longe, tão perto, estivemos muito longe para o ver ao lado.
Sozinho, ao frio, só os sapatos tremem no chão, vibrando na alma daqueles que pouco mais têm.

Alto

Longe lá no alto, queria mais altas as estrelas, maior o tempo, mais criador quem me fez, o fogo mais quente e o mar mais revolto, mais azul, com mais cavernas, com mais beleza onde nos podéssemos perder, com almas mais abertas, mais montanhas e pássaros, mais sangue perdido nos caminhos da conquista.

Ainda mais alto, abrir os abraços, cair o vento na face, seda, sentir leve o tempo a queimar as ondas da minha pele, mais alto, mais alto que não cansa mais, não nos perdemos mais, não somos mais perto dos outros por queremos estar longe de nós.

Acaba a tarefa alto, um dia mais contente, serenamente como uma criança, em paz com a dor como quem dorme no berço uma criança perdida nas valas do sono.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Música

Como e que se mantém uma orquestra perfeita e em síncrona, durando o som ate cada eco, cedendo, cedendo, perdido para alguém e sem nunca perder o seu caminho. A música continua, nao perde a novidade, tem sempre uma palavra nova para nos dizer.... E como? Se estamos sempre a mudar, se o mundo nao nos deixa ser o mesmo, como sabemos que de ano para ano, sabemos que cedemos cada vez que ouvimos o nosso nome?
Sei que o vento que me corre no sangue me leva a ter mais movimento nos olhos que tentativas nos corpo. Se pudéssemos ficar para sempre os melhores, juntos, se tentássemos todos os dias, sermos melhores enquanto crescemos, podemos acreditar que na sorte, a música nunca acabaria, seguiria o seu caminho sem se perder.
Sei que agora é o momento de por os olhos no céu e ver para sempre a música a tocar. Podemos ser diferentes mas se tentarmos fazer melhor, nao nos perderemos no caminho e, com sorte, a música perdurara no tempo, será vida.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

'Não se pode morar nos olhos de um gato'

Enquanto nesta noite o meu reflexo ficar amarelo, nos olhos de um gato preto que segue na rua, como tantas outras espécies que circulam, não moro mais. Beija, arranha, queima, foge, circunda-te de espaço, serve-te, serve-me e brinca, queixa-te e coxeia pelo mundo que quem vive aqui, não mora jamais. Aleija e fere, foge e grita, desencante e desanda, neste espaço não nos chocamos mais.
Eu vou-me.
Eu vou para Longe, para o sítio donde partem os navios sem rumos e as velas sem vento, onde outrora as árvores foram verdes e o fogo flamejante, onde a chuva molha e o tempo passa, vou para aí. Quem sabe um dia não esteja lá mais, espanque a vida, alicie os deuses a irem além, ao tempo infinito, ao espaço inacabado, serem a natureza e respirarem, faz tão bem respirar longe, ser perto de nós mesmos e estarmos afastados do mundo.
Eu vou para Longe, onde não sou nada, porque não se pode morar nos olhos de um gato nem viver nos sonhos de uma pessoa.

Não se pode morar nos olhos de um gato. Não se pode chegar a sítios sem porto.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Piano Bar

Os dedos deslizam no xadrez mais rápido do que um jornalista e mais ritmado que um pintos, há segredos em cada tecla e sons em cada toque, circunda-se do piano a animação do costume. O velho que perdeu a inocência nos tempos da guerra e se lhe viu desprovido de vida nos tempos de quem já não manda, onde as roupas já ganham espaço e onde as rugas marcam cada bala que o percorreu. Ele pede um som calmo, que nos embale enquanto o tempo nos dá um pouco de si. O tipo do bar, amigo de todos, oferece uma rodada, sempre disponível para dar mais um copo ou acender um cigarro, Acredito em anjos e tu?, de certeza que ele podia ser uma grande estrela se antes de tudo acreditasse nos homens e no seu poder transformador. Aquela lá do fundo está sozinha, todas as noites, um whisky e um cigarro, um banco e um espaço, praticando políticas consigo mesma, apenas no silêncio. Raramente noto, balança a cadeira enquanto canto, entoando cada nota nos modos do seu corpo, entoando no seu ar aquilo que eu digo com notas, e dedos e teclas, nada mais artificial. Toco rápido. Alto. Canta algo, afinal estás ao piano e nesta noite precisamos de conseguir acordar com ela na memória de manhã. Os negócios passam na bebida, afinal todos a partilhamos. Nada como jazz a um sábado. Nada como partilhar com alguém que não se conhece, embora saibamos de cor, as evaporações do espírito e os suores do corpo. Embora este público seja bom, o gerente me sorria, e todos se tenham esquecido que lá fora a vida, está na hora de largar o fumo dos cigarros, agradecer ao piano e pensar onde vamos todos estar em mais uma temporada. Diz-nos algo maior, quem está no piano, temos todos a disposição para uma melodia, a última. À saída acordamos do tempo e entramos no mundo, sem pianos, sóbrios, prestes a lutar pela sobrevivência. E nada mais e no entanto nos chega para bastante.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Se alguém perguntar, sussura-me ao ouvido, o teu silêncio é tudo o que me apetece puvir no barulho do mundo, não consigo perceber mais, nem quero perceber mais, enquanto o mundo roda, enquanto as cidades se fazem e os muros do mundo caem, simplesmente não percebo o agora, o espaço que nos crcunda, as mesas onde nos sentamos à vez, as cadeiras que não nos cruzam e a cegueira que nos circunda, não consigo perceber mais.

Simplesmente, nada. Que significa uma fotografia se apenas uma existe para recordar... Diz-me o teu nome que eu digo o meu, atraves-te a tentar saltar se prometer que seguro, atraves-te a ir se pedir duas vezes...

Por uma noite dás-me o mundo, dançarias a chuva se a luz fosse dos dois, viverias duas vidas se uma não te bastasse, se parasse o tempo sorririas para sempre?

E se ainda restam dúvidas, se ainda nos quebra o tempo, posso escrever três vezes...

"  Nós sabíamos ali, por uma intuição que por certo não tínhamos, que este dolorido mundo onde seríamos dois, se existia, era para além da linha extrema onde as montanhas são hálitos de formas, e para além dessa não havia nada. E era por causa da contradição de saber isto que a nossa hora de ali era escura como urna caverna em terra de supersticiosos e o nosso senti-la era estranho como um perfil da cidade mourisca contra um céu de crepúsculo outonal...
Ali vivemos horas cheias de um outro sentirmo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida... Horas imperiais depostas, horas vestidas de púrpura gasta, horas caídas nesse mundo de um outro mundo mais cheio do orgulho de ter mais desmanteladas angústias...
      E doía-nos gozar aquilo, doía-nos... Porque, apesar do que tinha de exílio calmo, toda essa paisagem nos sabia a sermos deste mundo, toda ela era húmida da pompa de um vago tédio, triste e enorme e perverso como a decadência de um império ignoto...
      Nas cortinas da nossa alcova a manhã é uma sombra de luz. Meus lábios, que eu sei que estão pálidos, sabem um ao outro a não quererem ter vida.
  A nossa vida era toda a vida.., Vivíamos horas impossíveis, cheias de sermos nós... E isto porque sabíamos, com toda a carne da nossa carne, que não éramos uma realidade...
      Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer... Éramos aquela paisagem esfumada em consciência de si própria... E assim como ela era duas — de realidade que era, e ilusão — assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não ele próprio, se o incerto outro viveria...
      Quando emergíamos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-nos a querer soluçar... Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados, cheios do tédio inúmero de ser... Cheios, sim, do tédio de ser, de ter de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão — e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos lagos... E nós, caminhando sempre e sem o saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à beira daqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado e absorto...
      E que fresco e feliz horror o de não haver ali ninguém! Nem nós, que por ali íamos, ali estávamos... Porque nós não éramos ninguém. Nem mesmo éramos coisa alguma... Não tínhamos vida que a Morte precisasse para matar. Éramos tão ténues e rasteirinhos que o vento do decorrer nos deixara inúteis e a hora passava por nós acariciando-nos como uma brisa pelo cimo duma palmeira."
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego